quinta-feira, 24 de setembro de 2020

O cristão e o comunismo


Fonte: https://www.facebook.com/pg/Jesus-El-Primer-Comunista-211922319325863/about/

                 Comunismo tornou-se uma palavra usada indiscriminadamente pelo vulgo sem que se tenha, ao menos, um conhecimento básico do seu significado. À beira da imposição de uma política voltada para o fundamentalismo cristão, aliado a um discurso liberal, mas permeado por outro lado de um extremo conservadorismo reacionário, a palavra “comunismo” emerge revestida do manto do “mal”. Sei que a mescla de todas essas ideologias é esdrúxula (afinal, como pode alguém ser liberal na economia, conservador reacionário nas questões sociais e de âmbito do comportamento e autoritário – um eufemismo para ditatorial – nas questões políticas?), mas não fui eu quem criou essa aberração incongruente.

               O projeto de poder da atualidade juntou diversas migalhas e elas foram encontrando alguma interface para a costura. Parece uma colcha de retalhos octogonais, em que se junta uma face a outra, mas sempre ficam algumas partes “descoladas”.  Então, setores que se autodenominam “cristãos” se juntaram a outros que se dizem “militares”, que por sua vez estão ligados a grupos “monarquistas”, que também se ligam a extremistas de direita, que acabam se encontrando com conservadores frustrados, que necessitam da ajuda de liberais de centro-direita e por aí vai. O resultado é que alguns discursos se sobressaem, de acordo com a situação, e outros se espalham de um grupo para outro.

Fonte: https://sueliandradepinturas.com.br/site/produto/su-129-colmeia-grande-para-decoracao/


          Dos que se dizem “cristãos” (mas são extremamente conservadores e até reacionários), o anticomunismo alcançou novamente o púlpito das pregações. Dentre os católicos, destaco trecho de artigo publicado em 2018 por Dom Bertrand de Orleans e Bragança, da família real brasileira e membro do Instituto Plínio Correia, ligado ao movimento TFP (Tradição, Família e Propriedade), e que critica cinco anos do pontificado do Papa Francisco: “Alguns agem como avestruz para não enfrentar o problema, respondendo levianamente: “É preferível errar com Francisco a acertar contra ele”. Outros sustentam que essa simplificação é errônea, pois, como ensina o Evangelho, “deve-se obedecer antes a Deus que aos homens (At 5, 29).” E afirmam ser legítima a resistência dos fiéis à autoridade eclesiástica, e até mesmo à do Sumo Pontífice, em situações análogas à que moveu o Apóstolo Paulo a resistir a São Pedro, o primeiro Papa (Gal. 2,11). No livro recentemente lançado, o autor apresenta uma visão de conjunto dos catastróficos cinco anos do Pontificado de Francisco e propõe uma medida prática de resistência, outrora sugerida por Plinio Corrêa de Oliveira aos dirigentes da TFP chilena como solução ao drama que viviam os católicos, pelo apoio de seu episcopado ao regime comunista de Salvador Allende: interromper a convivência habitual com os Pastores demolidores, para que tal convivência não acarretasse risco próximo para a fé e grave escândalo para os bons”.

          Dos setores “evangélicos” (parece que o termo “cristão” está fora de moda. Ao menos aqui, encontramos alguma coerência no uso do nome), um vídeo disseminado na internet mostra um pastor vociferando contra o “demônio comunista”, afirmando ser Deus contra o comunismo e citando que no final dos tempos tudo ficaria claro quando o Divino Julgador diria aos comunistas: “Apartai-vos de mim, malditos praticantes do mal!”.

          O que o pastor talvez não se recorde – ou tenha escondido de seus ouvintes – é que a citação pode se referir ao trecho de Mateus (7.21 e seguintes), o qual diz literalmente (aqui, incluindo o contexto): “Mt 7.21 - 23Nem todo aquele que diz a mim: ‘Senhor, Senhor!’ entrará no Reino dos céus, mas somente o que faz a vontade de meu Pai, que está nos céus. Muitos dirão a mim naquele dia: ‘Senhor, Senhor! Não temos nós profetizado em teu nome? Em teu nome não expulsamos demônios? E, em teu nome, não realizamos muitos milagres?’ Então lhes declararei: Nunca os conheci. Afastai-vos da minha presença, vós que praticais o mal”.

          Em outras palavras, a condenação aqui não é contra o comunismo, mas sim contra falsas lideranças religiosas, as quais enganam e manipulam os fiéis, servindo de pedra de tropeço para que possam, de fato, seguir os mandamentos de Deus.

          Mas, afinal, o que é comunismo? Essa pergunta é importante, pois o cristão deve saber se realmente essa ideologia está ou não de acordo com os desígnios de Deus. Bom, a princípio, Deus não se envolve em questões de política. Não há, por exemplo, alguma condenação de Jesus sobre o governo autoritário e pagão dos romanos, por exemplo. Ao contrário, Jesus disse: Dize-nos, pois, que te parece? É lícito pagar o tributo a César, ou não? Jesus, porém, conhecendo a sua malícia, disse: Por que me experimentais, hipócritas? Mostrai-me a moeda do tributo. E eles lhe apresentaram um dinheiro. E ele diz-lhes: De quem é esta efígie e esta inscrição?
Dizem-lhe eles: De César. Então ele lhes disse: Dai, pois a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus. E eles, ouvindo isto, maravilharam-se, e, deixando-o, se retiraram (Mt. 22.17-22).

          Qual o sentido das palavras de Jesus? Ora, o cristão vive neste mundo e cumpre suas obrigações para com ele. Mas deve se lembrar que pertence também ao mundo de Deus e, assim, também tem suas obrigações a cumprir. Com isso, as atenções e cuidados de Deus não estão voltadas a mudanças de governo ou ideologias. Isso é da alçada humana, o que, também, não significa que o cristão deva aceitar tudo. A adoração de deuses pagãos, por exemplo, sempre foi condenada pelos cristãos que não a obedeceram. Mas nenhum cristão, baseado nas Escrituras, se levantou contra governo de qualquer imperador romano.

          As revoltas que ocorreram contra Roma na Palestina foram promovidas por judeus, não por cristãos. Esse é um ponto crucial: Deus não chama cristãos para combater ideologias políticas e nem religiosas. “Guerras santas”, destruição de templos e igrejas, assassinato de pessoas por questões relativas ao pensamento, não têm base bíblica para os cristãos. Aquele que se diz “cristão” (ou evangélico, se preferir) e participa da destruição de imagens católicas ou de terreiros de umbanda e candomblé precisa se colocar no lugar de Paulo diante dos santuários de Atenas (At. 17.16-34).

          Mas a pergunta ainda não foi respondida: O que é comunismo? De maneira bastante simples, comunismo é uma forma de pensar a sociedade organizada de maneira igualitária, com a propriedade coletiva (de todos) dos meios de produção, sem classes sociais (nem ricos e nem pobres, nem nobres e nem plebeus). Também chamado de socialismo, essa ideia faz parte da história da humanidade. Desde a Antiguidade se pensou na possibilidade da existência de uma sociedade sem exploração e na qual não houvesse diferenças econômicas entre as pessoas.

          No século XIX esse pensamento foi aperfeiçoado pelo filósofo Karl Marx, que estabeleceu uma leitura histórica do comunismo e lançou uma teoria que ficou conhecida como comunismo científico ou marxismo.

          Alguns governos, como a Rússia a partir de 1917, tiveram experiências socialistas e comunistas. Infelizmente, o modelo implantado na maioria dos países comunistas traiu seus princípios de uma sociedade igualitária, criando uma elite política associada a um governo ditatorial.

          Porém, enquanto ideia, o comunismo não é “do mal” e nem “do bem”. Esse maniqueísmo não serve como “óculos” para a leitura dos fatos. É uma maneira muito simplista e ingênua de ver as coisas. Ademais, em países como o Brasil, o comunismo nunca chegou a ser implantado. Antes disso, precisaríamos transcender as estruturas arcaicas que ainda sustentam a nossa sociedade, fruto do colonialismo, como a estrutura agrária do país (que ainda se sustêm por meio de latifúndios), a extrema divisão social, o racismo (legado da escravidão) e tantos outros. Para se ter uma ideia, para o desenvolvimento do capitalismo seria necessária a reforma agrária. Nenhum país desenvolvido – em termos de capitalismo – deixou de fazer a reforma agrária. Os Estados Unidos, por exemplo, fizeram uma Guerra civil (Guerra de Secessão, de 1861 a 1865) para combater o escravismo e o latifúndio que impediam o desenvolvimento do capitalismo.

          O comunismo é o avesso do capitalismo. Portanto, só pode haver comunismo onde antes se desenvolveu o capitalismo e esse não é o caso do Brasil.

          Por outro lado, as bases do socialismo/comunismo, quais sejam, a divisão dos produtos da sociedade para promover uma organização igualitária, o fim da propriedade privada, e a inexistência de classes sociais (ou as desigualdades promovidas por essa divisão), estão presentes nas primeiras comunidades cristãs. Diz o livro de Atos dos Apóstolos sobre os primeiros grupos cristãos: “Não havia uma só pessoa necessitada entre eles, pois os que possuíam terras ou casas as vendiam, traziam o dinheiro da venda e o depositavam aos pés dos apóstolos, que por sua vez, o repartiam conforme a necessidade de cada um. (At. 4.34 – 35). E, antes, Jesus já afirmara ao jovem rico: “Se você quer ser perfeito, vá, venda os seus bens e dê o dinheiro aos pobres, e você terá um tesouro nos céus. Depois, venha e siga-me” (Mt. 19.21).

 

 

         


terça-feira, 5 de maio de 2020

O cristão e a tortura

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Cena do filme "A Paixão de Cristo". Imagem da internet.
   

       Há algum tempo li em uma publicação na internet alguém que se dizia cristão justificando a defesa da tortura com o seguinte argumento de que foi a tortura que revelou Cristo como Salvador da humanidade, pois se não tivesse sido torturado, nós não teríamos o sacrifício vicário da cruz!
         Bem, é preciso deixar bastante claro que Jesus não foi protagonista da tortura e sim vítima dela. Sendo, portanto, vítima de tortura seria inconcebível que Jesus fosse defensor desse tipo de ação. Aliás, a tortura foi promovida pelos romanos, povo pagão, e incentivada pelos fariseus, grupo judaico que foi duramente criticado por Jesus por sua hipocrisia e por se mancomunar com o governo interventor de Roma. Assim, defensor da tortura não tem relação alguma com Cristo.
       O apóstolo João em seu Evangelho relata que durante o interrogatório diante dos sacerdotes Jesus recebe uma bofetada de um guarda do Sumo Sacerdote, ao que o Salvador responde: “Se falei mal, testemunha sobre o mal; mas, se falei bem, por que me bates?” (Jo 18.23) . Somente este trecho deixaria claro que Jesus é contra a tortura. Ao contrário, Ele se mostra a favor do debate de ideias (“Se falei mal, testemunha sobre o mal...), condenando a agressão física em qualquer circunstância.
       Ora, aqueles que defendem a tortura não podem se chamar de cristãos. Aqueles que defendem os torturadores, também não. Muito menos aqueles que apoiam os que defendem a aplicação de meios violentos, incluindo a tortura, contra quem quer que seja, mesmo os seus inimigos.
       Mateus diz que Jesus se dirigiu aos seus discípulos e disse: “Eis que estamos subindo a Jerusalém e o Filho do Homem será entregue aos chefes dos sacerdotes e escribas. Eles o condenarão à morte e o entregarão para ser escarnecido, açoitado e crucificado. As no terceiro dia ressuscitará” (Mt 20.18 -19). O uso do “mas” ao final do texto denota justamente a oposição. Em Língua Portuguesa, mas é uma conjunção adversativa, ou seja, expressa uma ideia adversa ou contrária ao que vinha sendo dito anteriormente no texto. Jesus diz que será açoitado, escarnecido e crucificado, MAS, ao final ressuscitará, o que equivale dizer que vencerá tudo aquilo. Essa ideia se adere a outra passagem em que Cristo diz: “Tenho-vos dito isso, para que em mim tenhais paz; no mundo tereis aflições, mas tende bom ânimo; eu venci o mundo” (Jo 16.33).
       Em suma, Jesus não defendeu jamais a tortura e as tribulações ou tormentos. Ao contrário, Ele diz que essas coisas são próprias do “mundo”, ou seja, das coisas que não são espirituais. É assim que, em geral, essa palavra se apresenta no Evangelho de João: “Mas Ele seguiu dizendo-lhes: “Vós sois daqui de baixo; Eu Sou lá de cima. Vós sois deste mundo; Eu deste mundo não sou” (Jo 8.23), “O mundo não pode odiar-vos, mas odeia a mim, pois Eu dou testemunho de que suas obras são más” (Jo 7.7), “Se o mundo vos odeia, sabei que, primeiro do que a vós, me odiou a mim.
Se vós fôsseis do mundo, o mundo amaria o que era seu, mas porque não sois do mundo, antes eu vos escolhi do mundo, por isso é que o mundo vos odeia” (Jo 15:18,19).
     Ao contrário da tortura, Jesus afirmou que o seu mandamento maior era o do amor: “Se guardardes os meus mandamentos, permanecereis no meu amor; do mesmo modo que eu tenho guardado os mandamentos de meu Pai, e permaneço no seu amor. Tenho-vos dito isto, para que o meu gozo permaneça em vós, e o vosso gozo seja completo. O meu mandamento é este: Que vos ameis uns aos outros, assim como eu vos amei" (Jo 15:10-12).
        Mas defendemos a tortura apenas aos criminosos! Pois, então. Primeiramente é preciso entender que uma pessoa só pode ser considerada criminosa depois de condenada legalmente. Se já foi condenada e a tortura não faz parte da punição, por que, então, torturar? Por outro lado, e aqui vem a segunda questão, nem sempre quem é acusado é de fato criminoso. Jesus foi condenado e tratado como criminoso e Barrabás, que era de fato homicida, foi absolvido! (Mt 27.20). Jesus foi crucificado ao lado de dois ladrões e para um deles disse: “Em verdade, eu te digo, hoje estarás comigo no Paraíso” (Lc 23.43).
       Por isso, talvez, Jesus tenha advertido para que não julgássemos as outras pessoas: “Não julgueis, para que não sejais julgados.
     Porque com o juízo com que julgardes sereis julgados, e com a medida com que tiverdes medido vos hão de medir a vós” (Mateus 7.1,2).
      Portanto, defender a tortura, a quem quer que seja, antes de ser um ato de “justiça” é, do ponto de vista cristão um julgamento e uma condenação o que não se coaduna com os ensinamentos de Cristo.
   “Estive preso e não me visitastes”... Aos que assim agiram, Jesus dirá: “Apartai-vos de mim, malditos, para o fogo eterno preparado para o diabo...” (Mt 25.41).
     Atenção, portanto, quando você, que se diz cristão, defende a tortura ou mesmo apoia aqueles que a defendem.

05.05.2020

domingo, 19 de abril de 2020

Sobre a Teologia da Prosperidade (II)


Certamente, alguns poderão argumentar que a Teologia da Prosperidade está, de fato, de acordo com os ensinamentos bíblicos. Por exemplo, a própria Bíblia diz que Jesus afirmou: “eu vim para que tenham vida, e a tenham com abundância” (Jo. 10.10). Então, como é que fica? Ter vida em abundância não é viver com o que é além do necessário para uma vida digna? Não é viver com riqueza material e financeira?
            A vida em abundância, aqui tratada, é a vida eterna com Jesus. No Evangelho de João, capítulo 5, versículos 39 e 40, Jesus esclarece que os homens de sua época examinavam “as Escrituras, porque vós [eles] cuidais ter nelas a vida eterna, e são elas que de mim testificam; E não quereis vir a mim para terdes vida”.
            A mensagem é espiritual, portanto. Não é um chamamento para o “paraíso” na Terra. Nem mesmo para que se tenha excesso de bens materiais e financeiros, a despeito das condições de vida das outras pessoas. O Reino não é deste mundo! (Jo. 18.36). Ao contrário, o verdadeiro cristão doa o que tem em benefício de outrem. Os cristãos primitivos, por exemplo, vendiam todos os seus bens e repartiam entre si o que tinham e dividiam o dinheiro com todos “de acordo com a necessidade de cada um” (At. 2.44 – 46). Qual a justificativa para dizer que os cristãos atuais são “melhores” do que os primeiros? Por que aqueles pioneiros deveriam vender suas propriedades e repartir com todos, enquanto que os atuais precisariam apenas se preocupar em enriquecer?
            Uma das passagens deveras citadas pelos adeptos da Teologia da Prosperidade com o intuito de afirmar a coadunância com o texto bíblico está em Malaquias: “Trazei o dízimo todo à casa do tesouro, para que haja mantimento na minha casa, e provai-me nisto, diz Jeová dos exércitos, se não vos abrir eu as janelas do céu, e não derramar sobre vós uma bênção até que não haja mais lugar para a recolherdes” (Malaquias 3.10). O texto é bastante apropriado, porquanto traz em seu bojo a idéia da compensação, ou seja, as bênçãos de Deus serão de acordo com a entrega do dízimo. Dessa forma, a arrecadação das instituições tende a ser altas na medida em que os fiéis são estimulados a colaborar para receber algo em troca. No entanto, do ponto de vista teológico, o problema maior aqui reside no fato de ser uma citação do contexto do Velho Testamento. O Livro de Hebreus ensina categoricamente que a Lei (Antigo ou Velho Testamento) foi substituída pelo Novo Testamento (ou Nova Aliança) e que, por isso, as dádivas e sacrifícios oferecidos aos sacerdotes, de acordo com a Lei (Antigo Testamento) “é cópia e sombra das realidades celestes” (Hb. 8.1 – 5). E o mesmo texto acrescenta: “Possuindo apenas a sombra dos bens futuros, e não a expressão própria das realidades, a Lei é totalmente incapaz, apesar dos mesmos sacrifícios sempre repetidos, oferecidos sem fim a cada ano, de levar a perfeição aqueles que deles participam” (Hb. 10.1). Em suma, o que trata da Lei (Antigo Testamento) não serve de parâmetro para quem vive (ou diz viver) dentro da Nova Aliança. Buscar uma referência no Antigo Testamento para justificar uma idéia atual é o mesmo que apoiar o apedrejamento de mulheres consideradas adúlteras só porque consta na Lei mosaica!
            Igrejas superlotadas também não são sinais de benção e muito menos a simples proclamação de que Jesus é Senhor são suficientes para identificar uma igreja como verdadeiramente cristã (no sentido teológico). “Nem todo aquele que me chama “Senhor, Senhor” entrará no Reino do Céu, mas somente aquele que faz a vontade de meu Pai, que está no céu” (Mt. 7.21). E qual é a vontade do Pai? Sobre o final dos tempos, mais uma vez, Jesus afirmou que muitos ficarão surpresos em serem condenados porque deixaram de ajudar as pessoas mais humildes e necessitadas (Mt. 25.31 – 46). Por isso, afirma Jesus, que muitos são chamados, mas poucos escolhidos (Mt. 22.14). Sentar no banco de um templo ou igreja não garante a salvação. Ser chamado, ou seja, ouvir a palavra não é garantia de salvação. A garantia está na prática daquilo que se ouve. A figueira que não dá frutos é inútil.
            Tiago também condena a sede de riqueza que faz com que as pessoas se desviem do objetivo principal que é a reconciliação com Deus. No capítulo 5 de seu livro, Tiago diz que aqueles que viveram deliciosamente sobre a terra, se deleitando com as riquezas, irão, depois, chorar e prantear sobre as misérias que hão de vir (Tg. 5). As riquezas estarão apodrecidas, as vestes comidas de traças e ouro e prata estarão enferrujados dando testemunho contra aqueles que se fascinam pelas riquezas materiais e financeiras (Tg. 5). A mesma mensagem de Cristo que no Sermão da Montanha pediu para que não acumulasse tesouros que seriam corroídos pelo tempo (Mt. 6). É por isso, também, que o Cristo falou da dificuldade de um rico entrar no reino dos céus (Mt. 19.23 – 24). E, ainda, lamentou-se dizendo: “Ai de vós, ricos! Porque já tendes a vossa consolação” (Lc. 6.24).
            Aquele, pois que quiser, continue buscando com ansiedade a riqueza material. Mas saiba que já teve a sua recompensa. Ganhou o mundo todo, mas perdeu a sua alma (Mc. 8.36).


Carlos Carvalho Cavalheiro
04.01.2015.

Sobre a Teologia da Prosperidade (I)



      Dados do Censo do IBGE apontam um substancial crescimento das igrejas cristãs chamadas genericamente de evangélicas. Em dez anos o número de evangélicos no Brasil saltou de pouco mais de 26 milhões de brasileiros para quase 43 milhões, o que representa um aumento de 61,45% (IBGE, 2010). Esses dados foram divulgados em 2012, embora se referissem ao Censo de 2010.
            Curiosamente, no senso comum, quando se fala em “evangélico” a primeira associação que se faz é com o televangelismo, iniciado na década de 1980, e que tem como principal sustentáculo a chamada Teologia da Prosperidade ou Evangelho da Prosperidade (ou ainda, Confissão Positiva, Palavra da Fé, Movimento da Fé, Evangelho da Saúde e da Prosperidade, entre tantos outros). No entanto, os dados do IBGE mostram que dentre as igrejas evangélicas que mais adeptos possuem, as que ocupam os três primeiros lugares não são, a princípio, igrejas fundamentadas nesse modelo de Teologia. O site Evangelização.blog.br aponta a liderança disparada da Igreja Assembléia de Deus que conta com mais de 12 milhões de membros, seguida da Igreja Batista que contabiliza mais de 3 milhões de fiéis e da Congregação Cristã com 2,3 milhões.
            Mas o que é a Teologia da Prosperidade? Segundo a Wikipedia, a Teologia da Prosperidade é uma “doutrina religiosa cristã que defende que a bênção financeira é o desejo de Deus para os cristãos e que a , o discurso positivo e as doações para os ministérios cristãos irão sempre aumentar a riqueza material do fiel”. O mais conhecido – e, talvez, o maior – divulgador dessa doutrina foi Kenneth Erwin Hagin que, segundo consta em suas biografias amplamente divulgadas, teria sido curado de um problema cardíaco quando interpretou a passagem de Marcos 11.23-24 com o sentido de que a fé deveria ser liberada a partir do pronunciamento das palavras, pois o próprio texto assinalava a presença maior do verbo “dizer” o que o verbo “crer”: “Porque em verdade vos digo que qualquer que disser a este monte: Ergue-te e lança-te no mar, e não duvidar em seu coração, mas crer que se fará aquilo que diz, tudo o que disser lhe será feito. Por isso, vos digo que tudo o que pedirdes, orando, crede que o recebereis e tê-lo-eis”. No entanto, as idéias de Hagin sobre a fé liberada ou confissão positiva não eram originais. Essek William Kenyon (1867-1948) foi evangelista de origem metodista que defendia a idéia teológica de que “O que eu confesso, eu possuo”. Em verdade, Essek Kenyon criou um sincretismo entre o pentecostalismo e visões metafísicas e místicas advindas de denominações religiosas que freqüentou como a Ciência Cristã.
            No que se funda a Teologia da Prosperidade? Essa Teologia afirma que os que são verdadeiramente fiéis a Deus devem viver em prosperidade, ou seja, em excelente situação financeira, profissional e de saúde. No Brasil, é comum os adeptos dessa Teologia afirmarem que a prosperidade significa riqueza material. Então, o principal motivo para se tornar cristão é a busca pela riqueza material, a cura de doenças e a libertação dos demônios. A salvação da alma..., bom isso fica para depois. O que aparenta ter importância para os adeptos da Teologia da Libertação é o agora, é o viver neste mundo com riqueza financeira e boa saúde para poder usufruir dos benefícios do dinheiro.
            Sem pretender atacar nenhuma denominação religiosa, o que se pretende com este artigo é debater tais conceitos em comparação com a Teologia Bíblica tradicional. De fato, riqueza em si não é pecado. A Bíblia diz que José de Arimatéia, um dos seguidores de Jesus, era rico (Mt. 27.57-58). No entanto, a busca pela riqueza afasta os homens de Deus e, por isso, pode se converter em pecado (aqui no sentido original da palavra “hamartia” ou “hamartano” que significa “errar o alvo”, ou seja, desviar do objetivo de Deus). Sobre isso Jesus disse no Sermão da Montanha: “Não podeis servir a Deus e ao Dinheiro” (Mt. 6.24). E acrescentou que: “Por isso vos digo: não vos preocupeis com a vossa vida quanto ao que haveis de comer, nem com o vosso corpo quanto ao que haveis de vestir. [...] Buscai, em primeiro lugar, o Reino de Deus e a sua Justiça, e todas essas coisas vos serão acrescentadas” (Mt. 6.25, 33). Também disse Jesus que não deveríamos “ajuntar tesouros na terra, onde a traça e o caruncho os corroem e onde os ladrões arrombam e roubam, mas ajuntai para vós tesouros no céu” (Mt. 6.19). No Evangelho de Lucas, o Nazareno aconselha ao rico para que vendesse tudo o que possuía e distribuísse aos pobres, pois assim teria um “tesouro no céu” (Lc. 18.18 -23). A mensagem central do cristianismo é a regeneração do homem, ou seja, a sua salvação e reconciliação com Deus. No Evangelho de Marcos, Jesus pergunta: “Portanto, de que adianta uma pessoa ganhar o mundo inteiro e perder a sua alma?” (Mc. 8.36).
            O que seria a prosperidade, então, se não for a riqueza material? Parece que prosperidade é ter tudo aquilo que é necessário para uma vida digna. Nem mais, nem menos. Jesus enviou seus discípulos em uma comissão, de dois em dois, e aconselhou que não levassem nada. Em ocasião oportuna, perguntou a esses se algo havia lhes faltado, do que responderam que nada faltara. Portanto, estavam atendidos por Deus em suas necessidades (Lc. 22.35). É o mesmo entendimento de quando, no Sermão da Montanha, Jesus disse dos lírios do campo e da inutilidade da preocupação com os bens materiais (Mt. 6). Aqueles que ostentam riquezas materiais, “já receberam a sua recompensa” (Mt. 6.2). Mesmo as curas extraordinárias não são insígnias dos que verdadeiramente são cristãos. Jesus advertiu que no final dos tempos, muitos dirão a Ele: Senhor, não foi em teu nome que profetizamos, expulsamos demônios e fizemos muitos milagres?. E Jesus apenas responderá: “Nunca vos conheci” (Mt. 7.22 – 23).

Carlos Carvalho Cavalheiro – 04.01.2015.

sábado, 18 de abril de 2020

O cristão e a maçonaria



                  "O cristão não deve se filiar à maçonaria porque ela é uma sociedade secreta!"
            Ora, o argumento aqui é falho. O cristianismo também já foi uma espécie de “sociedade secreta”. Nos primórdios do cristianismo, conforme consta no livro de Atos, os cristãos eram perseguidos, presos, mortos, martirizados. Saulo de Tarso, que depois de sua conversão ao cristianismo passou a usar o nome de Paulo, “respirava ameaças de morte contra os discípulos do Senhor” (At 9:1).
            É de se imaginar, portanto, os cuidados que os cristãos deveriam ter para não serem vítimas da perseguição por descuido de sua própria exposição. E a perseguição aos cristãos recrudesce depois, quando ocorre uma campanha promovida pelo império romano, pelo menos a partir do ano 64, data do governo de Nero. Mas essa foi uma perseguição local, não organizada, como, praticamente, todas as que se seguiram, até aproximadamente o ano de 250 d. C., quando se tornou sistemática: “A perseguição organizada e universal em todo o Império ocorreu somente depois do ano 250 d. C., com os imperadores Décio (249 – 251) E Diocleciano (284 – 305), as últimas e mais ferozes, quando os romanos consideravam o cristianismo uma religião perigosa para o Estado e para a estabilidade do governo” (REINKE, 2019, p. 328).
          Talvez seja este o sentido da advertência de Jesus Cristo aos seus discípulos: Mateus 10.21: Um irmão entregará à morte seu irmão, e o pai ao filho, e os filhos se rebelarão contra seus pais e lhes causarão a morte. 22 E, por causa do meu Nome, sereis odiados de todos. Contudo, aquele que permanecer firme até o fim será salvo. 23 Quando, porém, vos perseguirem num lugar, fugi para outro; pois com toda a certeza vos asseguro que não tereis passado por todas as cidades de Israel antes que venha o Filho do homem.
            Benjamin Scott diz que durante as perseguições aos cristãos em Roma, estes se refugiavam em catacumbas, galerias subterrâneas, até aproximadamente o ano de 311 (SCOTT, 2019, p. 66). Isso demonstra que os primeiros cristãos eram cautelosos, o que os levou a criar uma rede de relações e de organização similares a uma “sociedade secreta”.
           
              “Mas os maçons cultuam símbolos!”
            Pois é, da mesma forma, os cristãos primitivos também utilizavam-se de símbolos para se comunicarem sem incorrer no risco de que sua mensagem fosse parar em “mãos erradas”. Atualmente, por exemplo, ainda é comum alguns cristãos utilizarem o “peixe” como símbolo cristão (menos evidente do que a cruz, por exemplo). Mas, se perguntarmos a todos os cristãos, será que sabem o porquê da associação de Jesus com o peixe?
            Provavelmente, muitos dirão que é por conta das diversas relações de Jesus com o peixe, descritas no Novo Testamento. Jesus se acercou de pescadores, como Pedro. Chamou a este apóstolo de “pescador de homens”. Jesus realizou um milagre de multiplicação de peixes, comeu peixe em várias ocasiões, incluindo depois de ressuscitado (Jo 21). No entanto, trata-se de um acróstico, ou seja, uma palavra escrita a partir de iniciais de outras que indicam novo sentido. De acordo com LUND e NELSON (2001, p. 102), “os cristãos da primeira Igreja, como evidenciam as catacumbas da cidade de Roma, empregavam comumente acrósticos nos epitáfios. Um dos símbolos favoritos e secretos de sua fé imutável sob o fogo da perserguição era o desenho de um peixe. A palavra grega equivalente a peixe era ichthus. O alfabeto grego consta de caracteres que nós representamos mediante duas letras. Desta maneira th e ch são letras simples no alfabeto grego. Ao recordar este fato, o peixe simbólico era lido da seguinte maneira: I = Iesous (Jesus), Ch = Christos (Cristo), Th = Theou (de Deus), U = Uios (Filho), S = Soter (Salvador)”.

            Mas é apenas um símbolo usado pelos cristãos...
        Na verdade era um dos diversos símbolos usados pelos cristãos. Por exemplo, a âncora que disfarçava a cruz; a pomba com ramo no bico; túmulo vazio entre tantos outros símbolos.
            Então, quer dizer que o cristão deve se filiar à maçonaria?
          Não é este a sugestão deste texto. Ocorre que para defender ou não determinada posição deve-se melhorar os argumentos. Acontece que qualquer coisa que rivalize com a devoção a Deus sempre foi condenada pela Escritura. Sejam deuses da Antiguidade, seja a riqueza, a opulência, a luxúria ou a filiação a alguma sociedade que seja contrária ao que diz a Palavra de Deus.
            Nesse sentido, fazer parte de uma torcida de futebol é tão nociva quanto pertencer a qualquer sociedade “secreta”, se ambas estão desviando sua atenção para as coisas espirituais.

Carlos Carvalho Cavalheiro
18.04.2020
           


Deus e as autoridades humanas


            Novidade para muitos cristãos: Deus não vota! A afirmação pode parecer heresia, à primeira vista, mas o que quero dizer é que quem escolhe o governante da nação numa democracia é o povo, não Deus.
            “Mas está escrito: ‘Por amor do Senhor, obedeçam às autoridades, seja o mais alto magistrado ou os que, por mando dele, governam e que estão encarregados de reprimir os que praticam o mal e louvar os que fazem o bem. É a vontade de Deus que, praticando o bem, vocês tapem a boca aos homens ignorantes nas suas conversas loucas’ (1Pe 2.13 – 15)”.
            Sim, é verdade. E poderíamos citar tantos outros textos bíblicos em que há a indicação de que a autoridade humana procede de Deus. Mas o que isso significa? Existe uma ciência chamada Hermenêutica, que estabelece os princípios pelos quais devemos interpretar determinados textos ou escrita. No caso da Bíblia, a Hermenêutica desenvolveu técnicas de desvendar o real sentido e significado de cada situação exposta na Bíblia.
            Pois bem, uma das regras da Hermenêutica é que “cada cristão tem o direito e a responsabilidade de investigar e interpretar pessoalmente a Palavra de Deus” (HENRICHSEN, 1997, p. 26). Outra regra básica da hermenêutica é que a Escritura deve ser explicada pela Escritura, ou seja, a Bíblia contém elementos que nos ajudam a interpretar os seus textos (LUND, NELSON, 2001, p. 23).
            Para tanto, não devemos jamais interpretar um trecho isolado, sem perceber a perspectiva completa que a Bíblia nos traz sobre determinado assunto. Por exemplo, se lermos no Antigo Testamento o sistema de sacrifícios animais, mas não tivermos a perspectiva do sacrifício definitivo realizado por Cristo, ainda continuaremos a acreditar que Deus se agrada – e nós precisamos – dos sacrifícios de animais! (Hb. 8 – 10).
            Quando a Bíblia diz que a autoridade procede de Deus significa que nenhum humano detém poder se Ele não permitir. Isso não quer dizer que Deus apoie ou esteja de acordo com os governantes terrenos. E também não quer dizer que devemos seguir cegamente o que tais governantes pedem ou exigem.
            No Antigo Testamento vemos diversas passagens em que verdadeiros homens de Deus se recusaram a aceitar as ordens de autoridades porque eram contrárias às suas crenças e ao que Deus lhes revelava. Daniel é um exemplo. Segundo o capítulo 6.7 de livro que leva o seu nome, “Todos os presidentes do reino, os capitães e príncipes, conselheiros e governadores, concordaram em promulgar um edito real e confirmar a proibição que qualquer que, por espaço de trinta dias, fizer uma petição a qualquer deus, ou a qualquer homem, e não a ti, ó rei, seja lançado na cova dos leões”.
            Ora, Daniel não era idólatra e sabia que Dario era um governante humano. Pois bem, Daniel desobedeceu às ordens reais e Deus provou que ele estava correto! Outro exemplo é Acabe, rei de Israel (que reinava em Samaria) e que foi reprovado por Deus.
Elias, homem de Deus, foi chamado para dizer a Acabe que deveria morrer. Porém, pelo arrependimento dele, Deus o poupou naquele momento. Porém, três anos depois, quando Acabe e o rei de Judá resolveram atacar a Síria, Deus providenciou para que profetas mentissem sobre a previsão de vitória de Acabe. Somente Micaías disse a verdade, de que Deus queria a desgraça de Acabe, como, de fato ocorreu (1 Rs 22.23: “E o Senhor pôs um espírito mentiroso na boca destes seus profetas. O Senhor decretou a sua desgraça”).
            Esse é o sentido do entendimento do texto que diz que toda autoridade procede de Deus. Ou seja, que a autoridade, de fato, pertence a Ele, mas que, mesmo assim, Deus permite que governantes humanos usufruam temporariamente desse poder. Jamais essa passagem deve ser entendida como obediência cega aos governantes porque são provenientes de Deus. Assim fosse, o antigo império romano, pagão, que dominou significativa parte da humanidade, estaria de acordo com os preceitos de Deus! Ou o nazismo alemão, ou as ditaduras cruéis que tivemos.
            Por isso, Pedro, o mesmo que providencialmente disse para obedecermos às autoridades, nos ensina com seu exemplo que “importa mais obedecer a Deus do que aos homens” (Atos 5:29). Mesmo que esses homens se coloquem como mensageiros de Deus. Acabe ouviu 400 supostos mensageiros de Deus e não aceitou a Palavra verdadeira e única que provinha da boca de Micaías.

Carlos Carvalho Cavalheiro
18.04.2020



Pv 29.2 Quando os honestos governam, o povo se alegra; mas, quando os maus dominam, o povo reclama.
4 Quando o governo é justo, o país tem segurança; mas, quando o governo cobra impostos demais, a nação acaba na desgraça.
7 A pessoa correta se interessa pelos direitos dos pobres, porém os maus não se importam com essas coisas.