Comunismo tornou-se uma palavra usada
indiscriminadamente pelo vulgo sem que se tenha, ao menos, um conhecimento
básico do seu significado. À beira da imposição de uma política voltada para o
fundamentalismo cristão, aliado a um discurso liberal, mas permeado por outro
lado de um extremo conservadorismo reacionário, a palavra “comunismo” emerge
revestida do manto do “mal”. Sei que a mescla de todas essas ideologias é
esdrúxula (afinal, como pode alguém ser liberal na economia, conservador
reacionário nas questões sociais e de âmbito do comportamento e autoritário –
um eufemismo para ditatorial – nas questões políticas?), mas não fui eu quem
criou essa aberração incongruente.
O projeto de poder da atualidade
juntou diversas migalhas e elas foram encontrando alguma interface para a
costura. Parece uma colcha de retalhos octogonais, em que se junta uma face a
outra, mas sempre ficam algumas partes “descoladas”. Então, setores que se autodenominam “cristãos”
se juntaram a outros que se dizem “militares”, que por sua vez estão ligados a
grupos “monarquistas”, que também se ligam a extremistas de direita, que acabam
se encontrando com conservadores frustrados, que necessitam da ajuda de
liberais de centro-direita e por aí vai. O resultado é que alguns discursos se
sobressaem, de acordo com a situação, e outros se espalham de um grupo para
outro.
Dos que se dizem “cristãos” (mas são
extremamente conservadores e até reacionários), o anticomunismo alcançou
novamente o púlpito das pregações. Dentre os católicos, destaco trecho de
artigo publicado em 2018 por Dom Bertrand de Orleans e Bragança, da família
real brasileira e membro do Instituto Plínio Correia, ligado ao movimento TFP
(Tradição, Família e Propriedade), e que critica cinco anos do pontificado do
Papa Francisco: “Alguns agem como avestruz para não enfrentar o problema,
respondendo levianamente: “É preferível errar com Francisco a acertar
contra ele”. Outros sustentam que essa simplificação é errônea, pois, como
ensina o Evangelho, “deve-se obedecer antes a Deus que aos homens (At
5, 29).” E afirmam ser legítima a resistência dos fiéis à autoridade
eclesiástica, e até mesmo à do Sumo Pontífice, em situações análogas à que
moveu o Apóstolo Paulo a resistir a São Pedro, o primeiro Papa (Gal. 2,11). No
livro recentemente lançado, o autor apresenta uma visão de conjunto dos
catastróficos cinco anos do Pontificado de Francisco e propõe uma medida
prática de resistência, outrora sugerida por Plinio Corrêa de Oliveira aos
dirigentes da TFP chilena como solução ao drama que viviam os católicos, pelo
apoio de seu episcopado ao regime comunista de Salvador Allende: interromper a
convivência habitual com os Pastores demolidores, para que tal convivência não
acarretasse risco próximo para a fé e grave escândalo para os bons”.
Dos setores “evangélicos” (parece que
o termo “cristão” está fora de moda. Ao menos aqui, encontramos alguma
coerência no uso do nome), um vídeo disseminado na internet mostra um pastor
vociferando contra o “demônio comunista”, afirmando ser Deus contra o comunismo
e citando que no final dos tempos tudo ficaria claro quando o Divino Julgador
diria aos comunistas: “Apartai-vos de mim, malditos praticantes do mal!”.
O que o pastor talvez não se recorde –
ou tenha escondido de seus ouvintes – é que a citação pode se referir ao trecho
de Mateus (7.21 e seguintes), o qual diz literalmente (aqui, incluindo o
contexto): “Mt 7.21 - 23Nem
todo aquele que diz a mim: ‘Senhor, Senhor!’ entrará no Reino dos céus, mas
somente o que faz a vontade de meu Pai, que está nos céus. Muitos dirão a mim
naquele dia: ‘Senhor, Senhor! Não temos nós profetizado em teu nome? Em teu
nome não expulsamos demônios? E, em teu nome, não realizamos muitos
milagres?’ Então
lhes declararei: Nunca os conheci. Afastai-vos da minha presença, vós que
praticais o mal”.
Em outras palavras, a condenação aqui
não é contra o comunismo, mas sim contra falsas lideranças religiosas, as quais
enganam e manipulam os fiéis, servindo de pedra de tropeço para que possam, de
fato, seguir os mandamentos de Deus.
Mas, afinal, o que é comunismo? Essa
pergunta é importante, pois o cristão deve saber se realmente essa ideologia
está ou não de acordo com os desígnios de Deus. Bom, a princípio, Deus não se
envolve em questões de política. Não há, por exemplo, alguma condenação de
Jesus sobre o governo autoritário e pagão dos romanos, por exemplo. Ao
contrário, Jesus disse: Dize-nos, pois, que te parece? É lícito pagar o tributo
a César, ou não? Jesus, porém, conhecendo a sua malícia, disse: Por que me
experimentais, hipócritas? Mostrai-me a moeda do tributo. E eles lhe
apresentaram um dinheiro. E ele diz-lhes: De quem é esta efígie e esta
inscrição?
Dizem-lhe eles: De César. Então ele lhes disse: Dai, pois a César o que é de
César, e a Deus o que é de Deus. E eles, ouvindo isto, maravilharam-se, e,
deixando-o, se retiraram (Mt. 22.17-22).
Qual o sentido das palavras de Jesus? Ora, o cristão vive neste mundo e cumpre suas obrigações para com ele. Mas deve se lembrar que pertence também ao mundo de Deus e, assim, também tem suas obrigações a cumprir. Com isso, as atenções e cuidados de Deus não estão voltadas a mudanças de governo ou ideologias. Isso é da alçada humana, o que, também, não significa que o cristão deva aceitar tudo. A adoração de deuses pagãos, por exemplo, sempre foi condenada pelos cristãos que não a obedeceram. Mas nenhum cristão, baseado nas Escrituras, se levantou contra o governo de qualquer imperador romano.
As revoltas que ocorreram contra Roma
na Palestina foram promovidas por judeus, não por cristãos. Esse é um ponto
crucial: Deus não chama cristãos para combater ideologias políticas e nem
religiosas. “Guerras santas”, destruição de templos e igrejas, assassinato de
pessoas por questões relativas ao pensamento, não têm base bíblica para os
cristãos. Aquele que se diz “cristão” (ou evangélico, se preferir) e participa
da destruição de imagens católicas ou de terreiros de umbanda e candomblé
precisa se colocar no lugar de Paulo diante dos santuários de Atenas (At. 17.16-34).
Mas a pergunta ainda não foi
respondida: O que é comunismo? De maneira bastante simples, comunismo é uma
forma de pensar a sociedade organizada de maneira igualitária, com a
propriedade coletiva (de todos) dos meios de produção, sem classes sociais (nem
ricos e nem pobres, nem nobres e nem plebeus). Também chamado de socialismo,
essa ideia faz parte da história da humanidade. Desde a Antiguidade se pensou
na possibilidade da existência de uma sociedade sem exploração e na qual não
houvesse diferenças econômicas entre as pessoas.
No século XIX esse pensamento foi
aperfeiçoado pelo filósofo Karl Marx, que estabeleceu uma leitura histórica do
comunismo e lançou uma teoria que ficou conhecida como comunismo científico ou
marxismo.
Alguns governos, como a Rússia a
partir de 1917, tiveram experiências socialistas e comunistas. Infelizmente, o
modelo implantado na maioria dos países comunistas traiu seus princípios de uma
sociedade igualitária, criando uma elite política associada a um governo
ditatorial.
Porém, enquanto ideia, o comunismo não
é “do mal” e nem “do bem”. Esse maniqueísmo não serve como “óculos” para a
leitura dos fatos. É uma maneira muito simplista e ingênua de ver as coisas.
Ademais, em países como o Brasil, o comunismo nunca chegou a ser implantado.
Antes disso, precisaríamos transcender as estruturas arcaicas que ainda
sustentam a nossa sociedade, fruto do colonialismo, como a estrutura agrária do
país (que ainda se sustêm por meio de latifúndios), a extrema divisão social, o
racismo (legado da escravidão) e tantos outros. Para se ter uma ideia, para o
desenvolvimento do capitalismo seria necessária a reforma agrária. Nenhum país
desenvolvido – em termos de capitalismo – deixou de fazer a reforma agrária. Os
Estados Unidos, por exemplo, fizeram uma Guerra civil (Guerra de Secessão, de
1861 a 1865) para combater o escravismo e o latifúndio que impediam o desenvolvimento
do capitalismo.
O comunismo é o avesso do capitalismo.
Portanto, só pode haver comunismo onde antes se desenvolveu o capitalismo e
esse não é o caso do Brasil.
Por outro lado, as bases do
socialismo/comunismo, quais sejam, a divisão dos produtos da sociedade para
promover uma organização igualitária, o fim da propriedade privada, e a
inexistência de classes sociais (ou as desigualdades promovidas por essa
divisão), estão presentes nas primeiras comunidades cristãs. Diz o livro de
Atos dos Apóstolos sobre os primeiros grupos cristãos: “Não havia uma só pessoa
necessitada entre eles, pois os que possuíam terras ou casas as vendiam,
traziam o dinheiro da venda e o depositavam aos pés
dos apóstolos, que por sua vez, o repartiam conforme a necessidade de cada um.
(At. 4.34 – 35). E, antes, Jesus já afirmara ao jovem rico: “Se você quer ser perfeito, vá, venda os seus bens e dê o dinheiro
aos pobres, e você terá um tesouro nos céus. Depois, venha e siga-me” (Mt.
19.21).
lindo , esclarecedor e muito bem "desenhado" esse texto querido amigo
ResponderExcluirMuito grato!!!
ResponderExcluirParabéns 👏🏼👏🏼
ResponderExcluirGratidão, Antônia
ExcluirParabéns 👏🏼👏🏼
ResponderExcluirParabéns 👏🏼👏🏼
ResponderExcluirSensacional, meu amigo!
ResponderExcluirGratidão, Eric Zorob Cobrah!
ExcluirFoi mto importante ter acesso a essa linha de pensamento tao clara amigo! Obrigada por escrever este texto
ResponderExcluirGratidão, Rebeca. Muito bom ter o retorno dos leitores. Grato.
ResponderExcluirParabéns pelo artigo.
ResponderExcluirParabéns pelo artigo.
ResponderExcluirGratidão pela consideração, Marilda!
Excluir