Tornou-se até lugar comum ouvir a
frase: “Sou cristão conservador”. O que realmente essa sentença quer dizer?
Aparentemente, é o “cristão” que defende a preservação das instituições
tradicionais da sociedade. A reboque, esse conservadorismo carrega também a
defesa do capitalismo, da exploração dos trabalhadores, da manutenção das
divisões sociais (ricos e pobres), da hierarquização burguesa, ou seja, aquela
calcada na valorização dos indivíduos a partir de questões financeiras, do desprezo a outras formas de pensar, da intolerância religiosa.
Para manter esse status quo algumas denominações e grupos
que se consideram cristãos têm se aproximado de governos autoritários, excludentes,
com um verniz de fascismo. O mesmo lema dos fascistas integralistas (Deus,
Pátria e Família) tem sido absorvido nos discursos desses “cristãos conservadores”.
A intolerância religiosa, por questões de gênero, etnia ou classe social têm
recebido uma “justificativa” supostamente cristã. Estabelece-se quase que uma
cruzada religiosa entre os “bons” e os “maus”. Mas, o cristão deve optar pelo
conservadorismo? Cristo era conservador? Cristo era intolerante?
Desde o seu nascimento, Cristo não
fez distinção de pessoas de outra vertente religiosa. Enquanto os judeus
tradicionais – os conservadores da época – não o reconheciam como o Messias
nascido, os pobres (pastores) e os “pagãos” (Magos) vieram adorá-Lo. Diz o
texto bíblico: “E, tendo
nascido Jesus em Belém de Judéia, no tempo do rei Herodes, eis que uns magos
vieram do oriente a Jerusalém,
Dizendo: Onde está aquele que é nascido rei dos judeus?
porque vimos a sua estrela no oriente, e viemos a adorá-lo” (Mt 2.1,2).
Logo a seguir, o texto esclarece: “E, tendo eles ouvido o rei, partiram; e eis que a estrela, que tinham
visto no oriente, ia adiante deles, até que, chegando, se deteve sobre o lugar
onde estava o menino. E, vendo eles a estrela, regoziram-se muito com
grande alegria.
E, entrando na casa, acharam o menino com Maria sua mãe e,
prostrando-se, o adoraram; e abrindo os seus tesouros, ofertaram-lhe dádivas:
ouro, incenso e mirra” (Mt 2.9-11).
Magos do Oriente eram sábios – não judeus
– provavelmente da Pérsia e que acreditavam nos sinais da natureza,
especialmente em astros. Não foram sacerdotes judeus, nem fariseus ou saduceus,
os que reconheceram a divindade de Cristo primeiro. Antes, povos que se
dedicavam ao estudo dos astros, dos sinais da natureza, da magia (eram Magos!).
Jesus respeitava os samaritanos,
povo desprezado pelos judeus “conservadores” por questões étnicas, religiosas e
costumes. Diz O. S. Boyer, em sua “Pequena Enciclopédia Bíblica” que “quando as
dez tribos [do reino de Israel] foram transportadas para o cativeiro na
Assíria, milhares dos pobres ficaram na terra. Sargom II, rei da Assíria,
trouxe gente de Babilônia, de Cuta, de Ava, de Hamate e de Sefarvaim, para colonizar
o país, 2 Rs 17,24. Isso resultou numa raça mestiça, Ed 4,2 com vv. 9, 10.
[...] Os samaritanos baseavam sua religião somente no Pentateuco, rejeitando o
resto do Antigo Testamento. Observavam o sábado, as festas, a circuncisão”
(BOYER, 1997, p. 562).
Apesar dos judeus “conservadores”
não se darem bem com os samaritanos, por diversas vezes Jesus enalteceu alguns
deles por sua conduta. Assim foi com o único leproso, dentre dez outros, que
curado voltou para agradecer, conforme Lc 17.16. Esse era samaritano. Também,
na parábola do samaritano, o único a acudir o homem ferido foi um samaritano. A
mulher samaritana do poço foi uma das que creu em Jesus (Jo 4.1-42).
Jesus não era intolerante quanto à
religião alheia. Quando Tiago e João pediram a destruição de uma aldeia
samaritana, com “fogo do céu para consumi-la”, por sua população não ter sido
hospitaleira, Jesus repreendeu os seus discípulos (Lc 9.52-55). Jesus também
permitiu que uma mulher siro-fenícia recebesse a sua cura devido a sua fé.
Mesmo sendo de um grupo religioso diferente, a mulher foi abençoada (Mc
7.24-30).
Jesus também não se deixava levar
por outras questões de ordem social ou de costumes. Não condenou a adúltera
(embora pedisse a ela para não mais continuar em seu pecado), conforme Jo
8.3-11. Ao contrário dos outros judeus “conservadores”, Jesus não desprezava a
mulher. Entre as pessoas mais próximas dele estavam mulheres como Maria
Madalena, Marta e Maria, irmãs de Lázaro, dentre outras. Jesus recebeu a mulher
pecadora (Lc 7.36-50), conversou (e, portanto, de certa forma, escolheu) a
mulher samaritana do poço...
Não fez distinção entre homens e
mulheres, não era misógino e nem machista (embora esses conceitos sejam mais
apropriados para a nossa época, sendo até anacronismo conduzi-los ao primeiro
século). Os termos aqui usados são referenciais, para facilitar o entendimento.
O que se quer dizer é que Jesus não estabeleceu diferença e desigualdade entre mulheres
e homens, como era o costume da época. O status
quo daquele momento histórico.
Não condenou nem mesmo as
prostitutas. Ao contrário, as colocou acima dos “conservadores” fariseus: “Em verdade vos digo que os publicanos e as prostitutas
vos precedem no Reino de Deus. Porque João veio a vós no caminho da justiça, e
não crestes nele, mas os cobradores de impostos e as prostitutas nele creram;
vós, porém, vendo isto, nem depois vos arrependestes para crer nele” (Mt
21.31-32).
O que Jesus
condenava mesmo era a hipocrisia, o “farisaísmo” das aparências (sepulcro
caiado, em Mt 23.25-28), do cumprimento vazio dos ritos (pagam o dízimo e
deixam de lado os ensinamentos importantes da Lei como a justiça, a
misericórdia e a fidelidade, em Mt 23.23), dos que exploram a fé em troca
do enriquecimento (os vendilhões do Templo, em Jo 2.13).
Ao contrário
de ser conservador, Jesus foi alguém que veio revolucionar os costumes. Tanto
que os “conservadores” de sua época o acusavam de ser amigo de pecadores: “Veio o Filho do homem, que come e bebe, e dizeis:
Eis aí um homem comilão e bebedor de vinho, amigo dos publicanos e pecadores” (Lc 7.34).
Em verdade, foi o conservadorismo da
época que crucificou Jesus.
Carlos
Carvalho Cavalheiro
03.01.2021