terça-feira, 5 de maio de 2020

O cristão e a tortura

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Cena do filme "A Paixão de Cristo". Imagem da internet.
   

       Há algum tempo li em uma publicação na internet alguém que se dizia cristão justificando a defesa da tortura com o seguinte argumento de que foi a tortura que revelou Cristo como Salvador da humanidade, pois se não tivesse sido torturado, nós não teríamos o sacrifício vicário da cruz!
         Bem, é preciso deixar bastante claro que Jesus não foi protagonista da tortura e sim vítima dela. Sendo, portanto, vítima de tortura seria inconcebível que Jesus fosse defensor desse tipo de ação. Aliás, a tortura foi promovida pelos romanos, povo pagão, e incentivada pelos fariseus, grupo judaico que foi duramente criticado por Jesus por sua hipocrisia e por se mancomunar com o governo interventor de Roma. Assim, defensor da tortura não tem relação alguma com Cristo.
       O apóstolo João em seu Evangelho relata que durante o interrogatório diante dos sacerdotes Jesus recebe uma bofetada de um guarda do Sumo Sacerdote, ao que o Salvador responde: “Se falei mal, testemunha sobre o mal; mas, se falei bem, por que me bates?” (Jo 18.23) . Somente este trecho deixaria claro que Jesus é contra a tortura. Ao contrário, Ele se mostra a favor do debate de ideias (“Se falei mal, testemunha sobre o mal...), condenando a agressão física em qualquer circunstância.
       Ora, aqueles que defendem a tortura não podem se chamar de cristãos. Aqueles que defendem os torturadores, também não. Muito menos aqueles que apoiam os que defendem a aplicação de meios violentos, incluindo a tortura, contra quem quer que seja, mesmo os seus inimigos.
       Mateus diz que Jesus se dirigiu aos seus discípulos e disse: “Eis que estamos subindo a Jerusalém e o Filho do Homem será entregue aos chefes dos sacerdotes e escribas. Eles o condenarão à morte e o entregarão para ser escarnecido, açoitado e crucificado. As no terceiro dia ressuscitará” (Mt 20.18 -19). O uso do “mas” ao final do texto denota justamente a oposição. Em Língua Portuguesa, mas é uma conjunção adversativa, ou seja, expressa uma ideia adversa ou contrária ao que vinha sendo dito anteriormente no texto. Jesus diz que será açoitado, escarnecido e crucificado, MAS, ao final ressuscitará, o que equivale dizer que vencerá tudo aquilo. Essa ideia se adere a outra passagem em que Cristo diz: “Tenho-vos dito isso, para que em mim tenhais paz; no mundo tereis aflições, mas tende bom ânimo; eu venci o mundo” (Jo 16.33).
       Em suma, Jesus não defendeu jamais a tortura e as tribulações ou tormentos. Ao contrário, Ele diz que essas coisas são próprias do “mundo”, ou seja, das coisas que não são espirituais. É assim que, em geral, essa palavra se apresenta no Evangelho de João: “Mas Ele seguiu dizendo-lhes: “Vós sois daqui de baixo; Eu Sou lá de cima. Vós sois deste mundo; Eu deste mundo não sou” (Jo 8.23), “O mundo não pode odiar-vos, mas odeia a mim, pois Eu dou testemunho de que suas obras são más” (Jo 7.7), “Se o mundo vos odeia, sabei que, primeiro do que a vós, me odiou a mim.
Se vós fôsseis do mundo, o mundo amaria o que era seu, mas porque não sois do mundo, antes eu vos escolhi do mundo, por isso é que o mundo vos odeia” (Jo 15:18,19).
     Ao contrário da tortura, Jesus afirmou que o seu mandamento maior era o do amor: “Se guardardes os meus mandamentos, permanecereis no meu amor; do mesmo modo que eu tenho guardado os mandamentos de meu Pai, e permaneço no seu amor. Tenho-vos dito isto, para que o meu gozo permaneça em vós, e o vosso gozo seja completo. O meu mandamento é este: Que vos ameis uns aos outros, assim como eu vos amei" (Jo 15:10-12).
        Mas defendemos a tortura apenas aos criminosos! Pois, então. Primeiramente é preciso entender que uma pessoa só pode ser considerada criminosa depois de condenada legalmente. Se já foi condenada e a tortura não faz parte da punição, por que, então, torturar? Por outro lado, e aqui vem a segunda questão, nem sempre quem é acusado é de fato criminoso. Jesus foi condenado e tratado como criminoso e Barrabás, que era de fato homicida, foi absolvido! (Mt 27.20). Jesus foi crucificado ao lado de dois ladrões e para um deles disse: “Em verdade, eu te digo, hoje estarás comigo no Paraíso” (Lc 23.43).
       Por isso, talvez, Jesus tenha advertido para que não julgássemos as outras pessoas: “Não julgueis, para que não sejais julgados.
     Porque com o juízo com que julgardes sereis julgados, e com a medida com que tiverdes medido vos hão de medir a vós” (Mateus 7.1,2).
      Portanto, defender a tortura, a quem quer que seja, antes de ser um ato de “justiça” é, do ponto de vista cristão um julgamento e uma condenação o que não se coaduna com os ensinamentos de Cristo.
   “Estive preso e não me visitastes”... Aos que assim agiram, Jesus dirá: “Apartai-vos de mim, malditos, para o fogo eterno preparado para o diabo...” (Mt 25.41).
     Atenção, portanto, quando você, que se diz cristão, defende a tortura ou mesmo apoia aqueles que a defendem.

05.05.2020

2 comentários:

  1. Muito bom, Carlos!Me veio a mente o mito do Sebastianismo no Brasil.

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    1. Gratidão, minha amiga! Muito interessante essa relação que você estabeleceu entre o texto e o mito do Sebastianismo, tão impregnado em nosso imaginário. Gratidão.

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