terça-feira, 31 de janeiro de 2023

O cristão e o cristianismo

 

Crédito da imagem: https://observatorio3setor.org.br/noticias/parteiras-indigenas-e-ate-criancas-foram-mortos-pela-inquisicao/

O título deste texto pode parecer redundante. No entanto, nos últimos anos, temos assistido aqui no Brasil o crescimento de um fenômeno que é, no mínimo, curioso: o dos “cristãos” que se afastam do que, até então, conhecíamos como cristianismo.

            “Cristãos” que defendem o armamento, a intolerância, o extermínio do outro, a morte, a miséria, a ignorância... Há pouco vimos um país sendo dizimado por uma doença nova – a covid-19 – e, a despeito desse tétrico quadro, um número crescente de pessoas evitando o uso da vacina. Em janeiro de 2021, indígenas da etnia kokama, da cidade de Santo Antônio do Içá, no Amazonas, estavam se recusando a tomar vacinas por influência de pastores evangélicos da Igreja Mundial do Poder de Deus e da Igreja Internacional da Graça de Deus​ que diziam que os imunizantes continham “chip” com a marca da “Besta”![1]

            Obviamente que nem todo cristão é defensor de tal aberração. A recusa ao uso de vacinas foi tão evidente entre grupos de pessoas que apresentam justificativas religiosas que um grupo intitulado “Frente de Evangélicos pelo Estado de Direito” lançou um vídeo, disponível na plataforma do Youtube, se viu na obrigação de desmentir tais “pregações”.[2]  O pastor e teólogo Ariovaldo Ramos discorreu sobre esse assunto, mostrando que em algumas situações citadas na Bíblia, o povo crente em Deus buscou alguma forma de imunização contra doenças (como no caso das pragas contra o Egito). Portanto, a princípio, não existe motivo religioso para a recusa do uso de imunizantes como a vacina.

            De igual forma não existe razão para que o cristão seja contrário à Ciência. Quando Deus criou o homem, de acordo com o que a Bíblia narra, deu a ele o domínio sobre tudo o que vive sobre a Terra, sejam animais, vegetais ou minerais. Ora, tal domínio só pode ser exercido por meio do uso da inteligência e do conhecimento das coisas. Eis a base das Ciências, o conhecimento de objetos de estudo. Quando Deus atendeu ao pedido de Salomão para que tivesse sabedoria, foi dito que aquele rei, por meio da graça divina, “Descreveu as plantas, desde o cedro do Líbano até o hissopo que brota nos muros. Também discorreu sobre os quadrúpedes, as aves, os animais que se movem rente ao chão e os peixes” (1 Rs. 4.33). Ora, não é esse o trabalho de um cientista?

            O apóstolo Paulo, homem de estudo e de Ciência, orientava a todo cristão para que “examinasse tudo” e “retivesse o bem” (1 Ts. 5.21). Examinar significa observar com atenção, investigar minuciosamente. Trabalho de cientista, sem dúvida. Certamente, alguém irá argumentar: “Mas o mesmo apóstolo disse que a sabedoria do homem é loucura para Deus” (1 Co. 3-19). Em resposta, o que se pode dizer para essa pessoa é que leia o texto e o contexto e pare de criar pretexto. Toda a discussão de Paulo nesse capítulo e versículo está calcada nas divisões da Igreja que ocorriam naquele momento porque – como seria bom se os “cristãos” tivessem aprendido essa lição – as pessoas estavam seguindo os seres humanos (como Paulo e Apolo) e não a Deus. O apóstolo, então, argumenta que por mais sábio que a pessoa seja (ele mesmo se autoproclama como sábio construtor no versículo 10), nenhuma sabedoria humana pode ultrapassar a inteligência de Deus. A mensagem, portanto, em suma é: não seja arrogante, pois em comparação com Deus a sua sabedoria humana não é nada.

            A intolerância religiosa, indicativo de fanatismo, é outra ação que não se coaduna com o cristianismo de fato. Primeiro, porque fere o princípio do direito do ser humano a sua própria escolha, algo que está implícito na própria criação. Afinal, mesmo cobrando as consequências dos atos humanos, Deus sempre deixou sua criatura livre para a escolha. Porém, grupos religiosos se colocam como “justiceiros” de Deus e aprontam coisas terríveis. O Brasil foi denunciado na ONU por indígenas que reclamaram da ação de grupos evangélicos que queimaram as casas de reza do Guarani-Kaiowá.[3] Seria cansativo aqui listar as casas e terreiros de Umbanda e Candomblé que foram vandalizadas e destruídas nos últimos anos por fundamentalistas religiosos pertencentes a denominações “cristãs”.

            Mas qual é o exemplo deixado por Cristo? No Evangelho de Lucas, capítulo 9, os discípulos de Jesus não foram recebidos num povoado samaritano por questões de diferença religiosa. Como os samaritanos perceberam que Jesus e seus discípulos se dirigiam a Jerusalém, para cumprir seus propósitos religiosos no Templo, não quiseram dar-lhes guarida. Tiago e João não se contiveram e perguntaram ao Mestre se ele desejava destruí-los com “fogo do céu”, ao que Jesus respondeu: "Vocês não sabem de que espécie de espírito vocês são, pois o Filho do homem não veio para destruir a vida dos homens, mas para salvá-los" (Lc. 9.55).

            É esse o cristianismo que faz falta nos tempos de hoje, o verdadeiro sal da Terra.

 

Carlos Carvalho Cavalheiro

31.01.2023



[1] https://cultura.uol.com.br/noticias/16111_pastores-evangelicos-estao-influenciado-indigenas-a-nao-tomarem-vacina-contra-a-covid-19-conta-lideranca.html

[2] https://www.youtube.com/watch?v=C5YNV2sY8GQ

[3] https://noticias.uol.com.br/colunas/jamil-chade/2022/03/10/na-onu-brasil-e-denunciado-por-ofensiva-de-evangelicos-contra-indigenas.htm


sábado, 4 de setembro de 2021

O cristão e o armamento

 


            A mensagem de Jesus Cristo é a do amor. Um amor tão extremado que deveria abarcar até mesmo os nossos inimigos. Jesus disse claramente que deveríamos amar nossos inimigos e fazer o bem aos que nos odiassem (Mt. 5.39 – 42; Lc. 6.27). Em momento algum Jesus insuflou seus discípulos a se armarem, muito menos para uma “guerra santa” ou “espiritual”.

            Aliás, o conceito é contraditório: se a guerra é espiritual, por que a necessidade de armamentos? Infelizmente, muitos que se dizem cristãos defendem hoje em dia o uso de armas para defesa da fé e, o que é ainda mais estarrecedor, para se defender dos inimigos!

            Bom, sobre a necessidade de se “defender” dos inimigos, talvez falte um pouco do conhecimento da Palavra ou mesmo fé naquilo que está escrito. Porque, conforme o que se pode ler na Bíblia, especificamente em 1 Jo 5.18, a mensagem diz: “Sabemos que todo aquele que é nascido de Deus não peca; mas o que de Deus é gerado conserva-se a si mesmo, e o maligno não lhe toca”. Esse é um ensinamento que vem desde o Antigo Testamento, qual seja, aquele que anda com Deus (ou, em outras palavras, segue os seus preceitos) não deve temer inimigo algum. Em Is 54.17 lê-se: “nenhuma arma forjada contra você prevalecerá, e você refutará toda língua que a acusar. Esta é a herança dos servos do Senhor, e esta é a defesa que faço do nome deles", declara o Senhor”.

            Também no livro dos Salmos (91.10 – 12) encontra-se a seguinte mensagem: “Nenhum mal te sucederá, nem praga alguma chegará à tua tenda. Porque aos seus anjos dará ordem a teu respeito, para te guardarem em todos os teus caminhos. Eles te sustentarão nas suas mãos, para que não tropeces com o teu pé em pedra”.

            Há quem possa argumentar que Jesus ordenou a seus discípulos, nas últimas horas antes de ser preso, para que vendessem a capa para comprar uma espada, conforme o texto de Lc. 22.35 – 38. É admissível que o texto é controverso e deu origem a diversas exegeses. Porém, se analisarmos detidamente todo o contexto, há uma explicação plausível.

            O texto completo é este: “E disse-lhes: Quando vos mandei sem bolsa, alforje, ou alparcas, faltou-vos porventura alguma coisa? Eles responderam: Nada.

Disse-lhes pois: Mas agora, aquele que tiver bolsa, tome-a, como também o alforje; e, o que não tem espada, venda a sua capa e compre-a; Porquanto vos digo que importa que em mim se cumpra aquilo que está escrito: E com os malfeitores foi contado. Porque o que está escrito de mim terá cumprimento. E eles disseram: Senhor, eis aqui duas espadas. E ele lhes disse: Basta”.

             A maioria dos exegetas concorda que a fala de Jesus neste trecho não deve ser entendida de maneira literal. Nos comentários da Bíblia de Jerusalém, por exemplo, pode-se verificar a seguinte interpretação: “Uma bolsa para comprar víveres, uma espada para obtê-los à força: expressões simbólicas para descrever a hostilidade universal (cf. 12,51)”. E, a seguir, o comentário sobre a apresentação das duas espadas: “Os apóstolos não compreenderam as palavras do Mestre, entendendo sua intenção em sentido material. Jesus põe fim ao assunto”.

            Há outras hermenêuticas sobre esse trecho apontando para uma previsão sobre a perseguição que os cristãos sofreriam. Mas, nenhuma delas pensa ser literal o pedido de Jesus para que os apóstolos se armassem. Seria ridículo pensar que o Filho de Deus – conforme o entendimento dos próprios cristãos – se sentisse seguro com a presença de duas espadas em seu grupo de onze seguidores!

            Porém, há um detalhe na fala de Jesus que chama a atenção. Ele cita o profeta Isaías para dizer que o Messias deveria ser contado entre os malfeitores (Is 53.12). Ora, se o grupo de apóstolos estivesse desarmado quando da chegada dos soldados do Templo, Jesus não poderia ser “contado entre os criminosos ou malfeitores”, pois aqueles que andavam armados, sem serem soldados, eram tidos por bandoleiros. Aliás, civis armados de fato representam perigo em qualquer tempo.

            A providência das espadas, portanto, parece que tinha por finalidade o cumprimento da profecia de Isaías. Ao menos foi assim que Jesus se manifestou. Entender essa passagem de maneira diferente significa criar outro problema logo adiante. Isso porque, o próprio Jesus disse ao seu apóstolo que se utilizou da espada para tentar reprimir os soldados: “Guarda a tua espada no seu lugar, pois todos os que pegam a espada pela espada perecerão. Ou pensas tu que eu não poderia apelar para o meu Pai, para que Ele pusesse à minha disposição, agora mesmo, mais de doze legiões de anjos?” (Mt. 26.52).

            E o que dizer de Davi e Josué, heróis da Bíblia e que lutaram com suas armas contra os inimigos de Israel? É preciso entender o contexto e o período das Alianças de Deus para com os homens. Na época do Antigo Testamento, havia a necessidade de que as promessas de Deus se cumprissem de modo a que o povo de Israel se mantivesse fiel, porque desse povo nasceria o Messias. No entanto, para quem insiste em permanecer voltado para a aliança do Antigo Testamento, deverá conhecer o que diz o livro de Hebreus: “Contudo, agora, Jesus recebeu um ministério ainda mais excelente que o dos sacerdotes, assim como também a aliança da qual Ele é o mediador; aliança muito superior à antiga, pois que é fundamentada em promessas excelsas” (Hb 8.6).

            A escolha do verdadeiro cristão deve ser pela nova aliança, aquela que estabeleceu o amor como maior mandamento.

 

04.09.2021

Carlos Carvalho Cavalheiro

 

domingo, 3 de janeiro de 2021

O cristão e o conservadorismo

 

 
Fonte da Imagem: https://br.blastingnews.com/sociedade-opiniao/2017/01/o-brasileiro-tem-posicao-politica-conservadora-ou-liberal-001405697.html

            Tornou-se até lugar comum ouvir a frase: “Sou cristão conservador”. O que realmente essa sentença quer dizer? Aparentemente, é o “cristão” que defende a preservação das instituições tradicionais da sociedade. A reboque, esse conservadorismo carrega também a defesa do capitalismo, da exploração dos trabalhadores, da manutenção das divisões sociais (ricos e pobres), da hierarquização burguesa, ou seja, aquela calcada na valorização dos indivíduos a partir de questões financeiras, do desprezo a outras formas de pensar, da intolerância religiosa.

            Para manter esse status quo algumas denominações e grupos que se consideram cristãos têm se aproximado de governos autoritários, excludentes, com um verniz de fascismo. O mesmo lema dos fascistas integralistas (Deus, Pátria e Família) tem sido absorvido nos discursos desses “cristãos conservadores”. A intolerância religiosa, por questões de gênero, etnia ou classe social têm recebido uma “justificativa” supostamente cristã. Estabelece-se quase que uma cruzada religiosa entre os “bons” e os “maus”. Mas, o cristão deve optar pelo conservadorismo? Cristo era conservador? Cristo era intolerante?

            Desde o seu nascimento, Cristo não fez distinção de pessoas de outra vertente religiosa. Enquanto os judeus tradicionais – os conservadores da época – não o reconheciam como o Messias nascido, os pobres (pastores) e os “pagãos” (Magos) vieram adorá-Lo. Diz o texto bíblico: “E, tendo nascido Jesus em Belém de Judéia, no tempo do rei Herodes, eis que uns magos vieram do oriente a Jerusalém,
Dizendo: Onde está aquele que é nascido rei dos judeus? porque vimos a sua estrela no oriente, e viemos a adorá-lo” (Mt 2.1,2). Logo a seguir, o texto esclarece: “E, tendo eles ouvido o rei, partiram; e eis que a estrela, que tinham visto no oriente, ia adiante deles, até que, chegando, se deteve sobre o lugar onde estava o menino. E, vendo eles a estrela, regoziram-se muito com grande alegria.

E, entrando na casa, acharam o menino com Maria sua mãe e, prostrando-se, o adoraram; e abrindo os seus tesouros, ofertaram-lhe dádivas: ouro, incenso e mirra” (Mt 2.9-11).

            Magos do Oriente eram sábios – não judeus – provavelmente da Pérsia e que acreditavam nos sinais da natureza, especialmente em astros. Não foram sacerdotes judeus, nem fariseus ou saduceus, os que reconheceram a divindade de Cristo primeiro. Antes, povos que se dedicavam ao estudo dos astros, dos sinais da natureza, da magia (eram Magos!).

            Jesus respeitava os samaritanos, povo desprezado pelos judeus “conservadores” por questões étnicas, religiosas e costumes. Diz O. S. Boyer, em sua “Pequena Enciclopédia Bíblica” que “quando as dez tribos [do reino de Israel] foram transportadas para o cativeiro na Assíria, milhares dos pobres ficaram na terra. Sargom II, rei da Assíria, trouxe gente de Babilônia, de Cuta, de Ava, de Hamate e de Sefarvaim, para colonizar o país, 2 Rs 17,24. Isso resultou numa raça mestiça, Ed 4,2 com vv. 9, 10. [...] Os samaritanos baseavam sua religião somente no Pentateuco, rejeitando o resto do Antigo Testamento. Observavam o sábado, as festas, a circuncisão” (BOYER, 1997, p. 562).

            Apesar dos judeus “conservadores” não se darem bem com os samaritanos, por diversas vezes Jesus enalteceu alguns deles por sua conduta. Assim foi com o único leproso, dentre dez outros, que curado voltou para agradecer, conforme Lc 17.16. Esse era samaritano. Também, na parábola do samaritano, o único a acudir o homem ferido foi um samaritano. A mulher samaritana do poço foi uma das que creu em Jesus (Jo 4.1-42).

            Jesus não era intolerante quanto à religião alheia. Quando Tiago e João pediram a destruição de uma aldeia samaritana, com “fogo do céu para consumi-la”, por sua população não ter sido hospitaleira, Jesus repreendeu os seus discípulos (Lc 9.52-55). Jesus também permitiu que uma mulher siro-fenícia recebesse a sua cura devido a sua fé. Mesmo sendo de um grupo religioso diferente, a mulher foi abençoada (Mc 7.24-30).

            Jesus também não se deixava levar por outras questões de ordem social ou de costumes. Não condenou a adúltera (embora pedisse a ela para não mais continuar em seu pecado), conforme Jo 8.3-11. Ao contrário dos outros judeus “conservadores”, Jesus não desprezava a mulher. Entre as pessoas mais próximas dele estavam mulheres como Maria Madalena, Marta e Maria, irmãs de Lázaro, dentre outras. Jesus recebeu a mulher pecadora (Lc 7.36-50), conversou (e, portanto, de certa forma, escolheu) a mulher samaritana do poço...

            Não fez distinção entre homens e mulheres, não era misógino e nem machista (embora esses conceitos sejam mais apropriados para a nossa época, sendo até anacronismo conduzi-los ao primeiro século). Os termos aqui usados são referenciais, para facilitar o entendimento. O que se quer dizer é que Jesus não estabeleceu diferença e desigualdade entre mulheres e homens, como era o costume da época. O status quo daquele momento histórico.

            Não condenou nem mesmo as prostitutas. Ao contrário, as colocou acima dos “conservadores” fariseus: “Em verdade vos digo que os publicanos e as prostitutas vos precedem no Reino de Deus. Porque João veio a vós no caminho da justiça, e não crestes nele, mas os cobradores de impostos e as prostitutas nele creram; vós, porém, vendo isto, nem depois vos arrependestes para crer nele” (Mt 21.31-32).

            O que Jesus condenava mesmo era a hipocrisia, o “farisaísmo” das aparências (sepulcro caiado, em Mt 23.25-28), do cumprimento vazio dos ritos (pagam o dízimo e deixam de lado os ensinamentos importantes da Lei como a justiça, a misericórdia e a fidelidade, em Mt 23.23), dos que exploram a fé em troca do enriquecimento (os vendilhões do Templo, em Jo 2.13).

            Ao contrário de ser conservador, Jesus foi alguém que veio revolucionar os costumes. Tanto que os “conservadores” de sua época o acusavam de ser amigo de pecadores: “Veio o Filho do homem, que come e bebe, e dizeis: Eis aí um homem comilão e bebedor de vinho, amigo dos publicanos e pecadores” (Lc 7.34).

            Em verdade, foi o conservadorismo da época que crucificou Jesus.

 

 

Carlos Carvalho Cavalheiro

03.01.2021

quinta-feira, 24 de setembro de 2020

O cristão e o comunismo


Fonte: https://www.facebook.com/pg/Jesus-El-Primer-Comunista-211922319325863/about/

                 Comunismo tornou-se uma palavra usada indiscriminadamente pelo vulgo sem que se tenha, ao menos, um conhecimento básico do seu significado. À beira da imposição de uma política voltada para o fundamentalismo cristão, aliado a um discurso liberal, mas permeado por outro lado de um extremo conservadorismo reacionário, a palavra “comunismo” emerge revestida do manto do “mal”. Sei que a mescla de todas essas ideologias é esdrúxula (afinal, como pode alguém ser liberal na economia, conservador reacionário nas questões sociais e de âmbito do comportamento e autoritário – um eufemismo para ditatorial – nas questões políticas?), mas não fui eu quem criou essa aberração incongruente.

               O projeto de poder da atualidade juntou diversas migalhas e elas foram encontrando alguma interface para a costura. Parece uma colcha de retalhos octogonais, em que se junta uma face a outra, mas sempre ficam algumas partes “descoladas”.  Então, setores que se autodenominam “cristãos” se juntaram a outros que se dizem “militares”, que por sua vez estão ligados a grupos “monarquistas”, que também se ligam a extremistas de direita, que acabam se encontrando com conservadores frustrados, que necessitam da ajuda de liberais de centro-direita e por aí vai. O resultado é que alguns discursos se sobressaem, de acordo com a situação, e outros se espalham de um grupo para outro.

Fonte: https://sueliandradepinturas.com.br/site/produto/su-129-colmeia-grande-para-decoracao/


          Dos que se dizem “cristãos” (mas são extremamente conservadores e até reacionários), o anticomunismo alcançou novamente o púlpito das pregações. Dentre os católicos, destaco trecho de artigo publicado em 2018 por Dom Bertrand de Orleans e Bragança, da família real brasileira e membro do Instituto Plínio Correia, ligado ao movimento TFP (Tradição, Família e Propriedade), e que critica cinco anos do pontificado do Papa Francisco: “Alguns agem como avestruz para não enfrentar o problema, respondendo levianamente: “É preferível errar com Francisco a acertar contra ele”. Outros sustentam que essa simplificação é errônea, pois, como ensina o Evangelho, “deve-se obedecer antes a Deus que aos homens (At 5, 29).” E afirmam ser legítima a resistência dos fiéis à autoridade eclesiástica, e até mesmo à do Sumo Pontífice, em situações análogas à que moveu o Apóstolo Paulo a resistir a São Pedro, o primeiro Papa (Gal. 2,11). No livro recentemente lançado, o autor apresenta uma visão de conjunto dos catastróficos cinco anos do Pontificado de Francisco e propõe uma medida prática de resistência, outrora sugerida por Plinio Corrêa de Oliveira aos dirigentes da TFP chilena como solução ao drama que viviam os católicos, pelo apoio de seu episcopado ao regime comunista de Salvador Allende: interromper a convivência habitual com os Pastores demolidores, para que tal convivência não acarretasse risco próximo para a fé e grave escândalo para os bons”.

          Dos setores “evangélicos” (parece que o termo “cristão” está fora de moda. Ao menos aqui, encontramos alguma coerência no uso do nome), um vídeo disseminado na internet mostra um pastor vociferando contra o “demônio comunista”, afirmando ser Deus contra o comunismo e citando que no final dos tempos tudo ficaria claro quando o Divino Julgador diria aos comunistas: “Apartai-vos de mim, malditos praticantes do mal!”.

          O que o pastor talvez não se recorde – ou tenha escondido de seus ouvintes – é que a citação pode se referir ao trecho de Mateus (7.21 e seguintes), o qual diz literalmente (aqui, incluindo o contexto): “Mt 7.21 - 23Nem todo aquele que diz a mim: ‘Senhor, Senhor!’ entrará no Reino dos céus, mas somente o que faz a vontade de meu Pai, que está nos céus. Muitos dirão a mim naquele dia: ‘Senhor, Senhor! Não temos nós profetizado em teu nome? Em teu nome não expulsamos demônios? E, em teu nome, não realizamos muitos milagres?’ Então lhes declararei: Nunca os conheci. Afastai-vos da minha presença, vós que praticais o mal”.

          Em outras palavras, a condenação aqui não é contra o comunismo, mas sim contra falsas lideranças religiosas, as quais enganam e manipulam os fiéis, servindo de pedra de tropeço para que possam, de fato, seguir os mandamentos de Deus.

          Mas, afinal, o que é comunismo? Essa pergunta é importante, pois o cristão deve saber se realmente essa ideologia está ou não de acordo com os desígnios de Deus. Bom, a princípio, Deus não se envolve em questões de política. Não há, por exemplo, alguma condenação de Jesus sobre o governo autoritário e pagão dos romanos, por exemplo. Ao contrário, Jesus disse: Dize-nos, pois, que te parece? É lícito pagar o tributo a César, ou não? Jesus, porém, conhecendo a sua malícia, disse: Por que me experimentais, hipócritas? Mostrai-me a moeda do tributo. E eles lhe apresentaram um dinheiro. E ele diz-lhes: De quem é esta efígie e esta inscrição?
Dizem-lhe eles: De César. Então ele lhes disse: Dai, pois a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus. E eles, ouvindo isto, maravilharam-se, e, deixando-o, se retiraram (Mt. 22.17-22).

          Qual o sentido das palavras de Jesus? Ora, o cristão vive neste mundo e cumpre suas obrigações para com ele. Mas deve se lembrar que pertence também ao mundo de Deus e, assim, também tem suas obrigações a cumprir. Com isso, as atenções e cuidados de Deus não estão voltadas a mudanças de governo ou ideologias. Isso é da alçada humana, o que, também, não significa que o cristão deva aceitar tudo. A adoração de deuses pagãos, por exemplo, sempre foi condenada pelos cristãos que não a obedeceram. Mas nenhum cristão, baseado nas Escrituras, se levantou contra governo de qualquer imperador romano.

          As revoltas que ocorreram contra Roma na Palestina foram promovidas por judeus, não por cristãos. Esse é um ponto crucial: Deus não chama cristãos para combater ideologias políticas e nem religiosas. “Guerras santas”, destruição de templos e igrejas, assassinato de pessoas por questões relativas ao pensamento, não têm base bíblica para os cristãos. Aquele que se diz “cristão” (ou evangélico, se preferir) e participa da destruição de imagens católicas ou de terreiros de umbanda e candomblé precisa se colocar no lugar de Paulo diante dos santuários de Atenas (At. 17.16-34).

          Mas a pergunta ainda não foi respondida: O que é comunismo? De maneira bastante simples, comunismo é uma forma de pensar a sociedade organizada de maneira igualitária, com a propriedade coletiva (de todos) dos meios de produção, sem classes sociais (nem ricos e nem pobres, nem nobres e nem plebeus). Também chamado de socialismo, essa ideia faz parte da história da humanidade. Desde a Antiguidade se pensou na possibilidade da existência de uma sociedade sem exploração e na qual não houvesse diferenças econômicas entre as pessoas.

          No século XIX esse pensamento foi aperfeiçoado pelo filósofo Karl Marx, que estabeleceu uma leitura histórica do comunismo e lançou uma teoria que ficou conhecida como comunismo científico ou marxismo.

          Alguns governos, como a Rússia a partir de 1917, tiveram experiências socialistas e comunistas. Infelizmente, o modelo implantado na maioria dos países comunistas traiu seus princípios de uma sociedade igualitária, criando uma elite política associada a um governo ditatorial.

          Porém, enquanto ideia, o comunismo não é “do mal” e nem “do bem”. Esse maniqueísmo não serve como “óculos” para a leitura dos fatos. É uma maneira muito simplista e ingênua de ver as coisas. Ademais, em países como o Brasil, o comunismo nunca chegou a ser implantado. Antes disso, precisaríamos transcender as estruturas arcaicas que ainda sustentam a nossa sociedade, fruto do colonialismo, como a estrutura agrária do país (que ainda se sustêm por meio de latifúndios), a extrema divisão social, o racismo (legado da escravidão) e tantos outros. Para se ter uma ideia, para o desenvolvimento do capitalismo seria necessária a reforma agrária. Nenhum país desenvolvido – em termos de capitalismo – deixou de fazer a reforma agrária. Os Estados Unidos, por exemplo, fizeram uma Guerra civil (Guerra de Secessão, de 1861 a 1865) para combater o escravismo e o latifúndio que impediam o desenvolvimento do capitalismo.

          O comunismo é o avesso do capitalismo. Portanto, só pode haver comunismo onde antes se desenvolveu o capitalismo e esse não é o caso do Brasil.

          Por outro lado, as bases do socialismo/comunismo, quais sejam, a divisão dos produtos da sociedade para promover uma organização igualitária, o fim da propriedade privada, e a inexistência de classes sociais (ou as desigualdades promovidas por essa divisão), estão presentes nas primeiras comunidades cristãs. Diz o livro de Atos dos Apóstolos sobre os primeiros grupos cristãos: “Não havia uma só pessoa necessitada entre eles, pois os que possuíam terras ou casas as vendiam, traziam o dinheiro da venda e o depositavam aos pés dos apóstolos, que por sua vez, o repartiam conforme a necessidade de cada um. (At. 4.34 – 35). E, antes, Jesus já afirmara ao jovem rico: “Se você quer ser perfeito, vá, venda os seus bens e dê o dinheiro aos pobres, e você terá um tesouro nos céus. Depois, venha e siga-me” (Mt. 19.21).

 

 

         


terça-feira, 5 de maio de 2020

O cristão e a tortura

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Cena do filme "A Paixão de Cristo". Imagem da internet.
   

       Há algum tempo li em uma publicação na internet alguém que se dizia cristão justificando a defesa da tortura com o seguinte argumento de que foi a tortura que revelou Cristo como Salvador da humanidade, pois se não tivesse sido torturado, nós não teríamos o sacrifício vicário da cruz!
         Bem, é preciso deixar bastante claro que Jesus não foi protagonista da tortura e sim vítima dela. Sendo, portanto, vítima de tortura seria inconcebível que Jesus fosse defensor desse tipo de ação. Aliás, a tortura foi promovida pelos romanos, povo pagão, e incentivada pelos fariseus, grupo judaico que foi duramente criticado por Jesus por sua hipocrisia e por se mancomunar com o governo interventor de Roma. Assim, defensor da tortura não tem relação alguma com Cristo.
       O apóstolo João em seu Evangelho relata que durante o interrogatório diante dos sacerdotes Jesus recebe uma bofetada de um guarda do Sumo Sacerdote, ao que o Salvador responde: “Se falei mal, testemunha sobre o mal; mas, se falei bem, por que me bates?” (Jo 18.23) . Somente este trecho deixaria claro que Jesus é contra a tortura. Ao contrário, Ele se mostra a favor do debate de ideias (“Se falei mal, testemunha sobre o mal...), condenando a agressão física em qualquer circunstância.
       Ora, aqueles que defendem a tortura não podem se chamar de cristãos. Aqueles que defendem os torturadores, também não. Muito menos aqueles que apoiam os que defendem a aplicação de meios violentos, incluindo a tortura, contra quem quer que seja, mesmo os seus inimigos.
       Mateus diz que Jesus se dirigiu aos seus discípulos e disse: “Eis que estamos subindo a Jerusalém e o Filho do Homem será entregue aos chefes dos sacerdotes e escribas. Eles o condenarão à morte e o entregarão para ser escarnecido, açoitado e crucificado. As no terceiro dia ressuscitará” (Mt 20.18 -19). O uso do “mas” ao final do texto denota justamente a oposição. Em Língua Portuguesa, mas é uma conjunção adversativa, ou seja, expressa uma ideia adversa ou contrária ao que vinha sendo dito anteriormente no texto. Jesus diz que será açoitado, escarnecido e crucificado, MAS, ao final ressuscitará, o que equivale dizer que vencerá tudo aquilo. Essa ideia se adere a outra passagem em que Cristo diz: “Tenho-vos dito isso, para que em mim tenhais paz; no mundo tereis aflições, mas tende bom ânimo; eu venci o mundo” (Jo 16.33).
       Em suma, Jesus não defendeu jamais a tortura e as tribulações ou tormentos. Ao contrário, Ele diz que essas coisas são próprias do “mundo”, ou seja, das coisas que não são espirituais. É assim que, em geral, essa palavra se apresenta no Evangelho de João: “Mas Ele seguiu dizendo-lhes: “Vós sois daqui de baixo; Eu Sou lá de cima. Vós sois deste mundo; Eu deste mundo não sou” (Jo 8.23), “O mundo não pode odiar-vos, mas odeia a mim, pois Eu dou testemunho de que suas obras são más” (Jo 7.7), “Se o mundo vos odeia, sabei que, primeiro do que a vós, me odiou a mim.
Se vós fôsseis do mundo, o mundo amaria o que era seu, mas porque não sois do mundo, antes eu vos escolhi do mundo, por isso é que o mundo vos odeia” (Jo 15:18,19).
     Ao contrário da tortura, Jesus afirmou que o seu mandamento maior era o do amor: “Se guardardes os meus mandamentos, permanecereis no meu amor; do mesmo modo que eu tenho guardado os mandamentos de meu Pai, e permaneço no seu amor. Tenho-vos dito isto, para que o meu gozo permaneça em vós, e o vosso gozo seja completo. O meu mandamento é este: Que vos ameis uns aos outros, assim como eu vos amei" (Jo 15:10-12).
        Mas defendemos a tortura apenas aos criminosos! Pois, então. Primeiramente é preciso entender que uma pessoa só pode ser considerada criminosa depois de condenada legalmente. Se já foi condenada e a tortura não faz parte da punição, por que, então, torturar? Por outro lado, e aqui vem a segunda questão, nem sempre quem é acusado é de fato criminoso. Jesus foi condenado e tratado como criminoso e Barrabás, que era de fato homicida, foi absolvido! (Mt 27.20). Jesus foi crucificado ao lado de dois ladrões e para um deles disse: “Em verdade, eu te digo, hoje estarás comigo no Paraíso” (Lc 23.43).
       Por isso, talvez, Jesus tenha advertido para que não julgássemos as outras pessoas: “Não julgueis, para que não sejais julgados.
     Porque com o juízo com que julgardes sereis julgados, e com a medida com que tiverdes medido vos hão de medir a vós” (Mateus 7.1,2).
      Portanto, defender a tortura, a quem quer que seja, antes de ser um ato de “justiça” é, do ponto de vista cristão um julgamento e uma condenação o que não se coaduna com os ensinamentos de Cristo.
   “Estive preso e não me visitastes”... Aos que assim agiram, Jesus dirá: “Apartai-vos de mim, malditos, para o fogo eterno preparado para o diabo...” (Mt 25.41).
     Atenção, portanto, quando você, que se diz cristão, defende a tortura ou mesmo apoia aqueles que a defendem.

05.05.2020

domingo, 19 de abril de 2020

Sobre a Teologia da Prosperidade (II)


Certamente, alguns poderão argumentar que a Teologia da Prosperidade está, de fato, de acordo com os ensinamentos bíblicos. Por exemplo, a própria Bíblia diz que Jesus afirmou: “eu vim para que tenham vida, e a tenham com abundância” (Jo. 10.10). Então, como é que fica? Ter vida em abundância não é viver com o que é além do necessário para uma vida digna? Não é viver com riqueza material e financeira?
            A vida em abundância, aqui tratada, é a vida eterna com Jesus. No Evangelho de João, capítulo 5, versículos 39 e 40, Jesus esclarece que os homens de sua época examinavam “as Escrituras, porque vós [eles] cuidais ter nelas a vida eterna, e são elas que de mim testificam; E não quereis vir a mim para terdes vida”.
            A mensagem é espiritual, portanto. Não é um chamamento para o “paraíso” na Terra. Nem mesmo para que se tenha excesso de bens materiais e financeiros, a despeito das condições de vida das outras pessoas. O Reino não é deste mundo! (Jo. 18.36). Ao contrário, o verdadeiro cristão doa o que tem em benefício de outrem. Os cristãos primitivos, por exemplo, vendiam todos os seus bens e repartiam entre si o que tinham e dividiam o dinheiro com todos “de acordo com a necessidade de cada um” (At. 2.44 – 46). Qual a justificativa para dizer que os cristãos atuais são “melhores” do que os primeiros? Por que aqueles pioneiros deveriam vender suas propriedades e repartir com todos, enquanto que os atuais precisariam apenas se preocupar em enriquecer?
            Uma das passagens deveras citadas pelos adeptos da Teologia da Prosperidade com o intuito de afirmar a coadunância com o texto bíblico está em Malaquias: “Trazei o dízimo todo à casa do tesouro, para que haja mantimento na minha casa, e provai-me nisto, diz Jeová dos exércitos, se não vos abrir eu as janelas do céu, e não derramar sobre vós uma bênção até que não haja mais lugar para a recolherdes” (Malaquias 3.10). O texto é bastante apropriado, porquanto traz em seu bojo a idéia da compensação, ou seja, as bênçãos de Deus serão de acordo com a entrega do dízimo. Dessa forma, a arrecadação das instituições tende a ser altas na medida em que os fiéis são estimulados a colaborar para receber algo em troca. No entanto, do ponto de vista teológico, o problema maior aqui reside no fato de ser uma citação do contexto do Velho Testamento. O Livro de Hebreus ensina categoricamente que a Lei (Antigo ou Velho Testamento) foi substituída pelo Novo Testamento (ou Nova Aliança) e que, por isso, as dádivas e sacrifícios oferecidos aos sacerdotes, de acordo com a Lei (Antigo Testamento) “é cópia e sombra das realidades celestes” (Hb. 8.1 – 5). E o mesmo texto acrescenta: “Possuindo apenas a sombra dos bens futuros, e não a expressão própria das realidades, a Lei é totalmente incapaz, apesar dos mesmos sacrifícios sempre repetidos, oferecidos sem fim a cada ano, de levar a perfeição aqueles que deles participam” (Hb. 10.1). Em suma, o que trata da Lei (Antigo Testamento) não serve de parâmetro para quem vive (ou diz viver) dentro da Nova Aliança. Buscar uma referência no Antigo Testamento para justificar uma idéia atual é o mesmo que apoiar o apedrejamento de mulheres consideradas adúlteras só porque consta na Lei mosaica!
            Igrejas superlotadas também não são sinais de benção e muito menos a simples proclamação de que Jesus é Senhor são suficientes para identificar uma igreja como verdadeiramente cristã (no sentido teológico). “Nem todo aquele que me chama “Senhor, Senhor” entrará no Reino do Céu, mas somente aquele que faz a vontade de meu Pai, que está no céu” (Mt. 7.21). E qual é a vontade do Pai? Sobre o final dos tempos, mais uma vez, Jesus afirmou que muitos ficarão surpresos em serem condenados porque deixaram de ajudar as pessoas mais humildes e necessitadas (Mt. 25.31 – 46). Por isso, afirma Jesus, que muitos são chamados, mas poucos escolhidos (Mt. 22.14). Sentar no banco de um templo ou igreja não garante a salvação. Ser chamado, ou seja, ouvir a palavra não é garantia de salvação. A garantia está na prática daquilo que se ouve. A figueira que não dá frutos é inútil.
            Tiago também condena a sede de riqueza que faz com que as pessoas se desviem do objetivo principal que é a reconciliação com Deus. No capítulo 5 de seu livro, Tiago diz que aqueles que viveram deliciosamente sobre a terra, se deleitando com as riquezas, irão, depois, chorar e prantear sobre as misérias que hão de vir (Tg. 5). As riquezas estarão apodrecidas, as vestes comidas de traças e ouro e prata estarão enferrujados dando testemunho contra aqueles que se fascinam pelas riquezas materiais e financeiras (Tg. 5). A mesma mensagem de Cristo que no Sermão da Montanha pediu para que não acumulasse tesouros que seriam corroídos pelo tempo (Mt. 6). É por isso, também, que o Cristo falou da dificuldade de um rico entrar no reino dos céus (Mt. 19.23 – 24). E, ainda, lamentou-se dizendo: “Ai de vós, ricos! Porque já tendes a vossa consolação” (Lc. 6.24).
            Aquele, pois que quiser, continue buscando com ansiedade a riqueza material. Mas saiba que já teve a sua recompensa. Ganhou o mundo todo, mas perdeu a sua alma (Mc. 8.36).


Carlos Carvalho Cavalheiro
04.01.2015.

Sobre a Teologia da Prosperidade (I)



      Dados do Censo do IBGE apontam um substancial crescimento das igrejas cristãs chamadas genericamente de evangélicas. Em dez anos o número de evangélicos no Brasil saltou de pouco mais de 26 milhões de brasileiros para quase 43 milhões, o que representa um aumento de 61,45% (IBGE, 2010). Esses dados foram divulgados em 2012, embora se referissem ao Censo de 2010.
            Curiosamente, no senso comum, quando se fala em “evangélico” a primeira associação que se faz é com o televangelismo, iniciado na década de 1980, e que tem como principal sustentáculo a chamada Teologia da Prosperidade ou Evangelho da Prosperidade (ou ainda, Confissão Positiva, Palavra da Fé, Movimento da Fé, Evangelho da Saúde e da Prosperidade, entre tantos outros). No entanto, os dados do IBGE mostram que dentre as igrejas evangélicas que mais adeptos possuem, as que ocupam os três primeiros lugares não são, a princípio, igrejas fundamentadas nesse modelo de Teologia. O site Evangelização.blog.br aponta a liderança disparada da Igreja Assembléia de Deus que conta com mais de 12 milhões de membros, seguida da Igreja Batista que contabiliza mais de 3 milhões de fiéis e da Congregação Cristã com 2,3 milhões.
            Mas o que é a Teologia da Prosperidade? Segundo a Wikipedia, a Teologia da Prosperidade é uma “doutrina religiosa cristã que defende que a bênção financeira é o desejo de Deus para os cristãos e que a , o discurso positivo e as doações para os ministérios cristãos irão sempre aumentar a riqueza material do fiel”. O mais conhecido – e, talvez, o maior – divulgador dessa doutrina foi Kenneth Erwin Hagin que, segundo consta em suas biografias amplamente divulgadas, teria sido curado de um problema cardíaco quando interpretou a passagem de Marcos 11.23-24 com o sentido de que a fé deveria ser liberada a partir do pronunciamento das palavras, pois o próprio texto assinalava a presença maior do verbo “dizer” o que o verbo “crer”: “Porque em verdade vos digo que qualquer que disser a este monte: Ergue-te e lança-te no mar, e não duvidar em seu coração, mas crer que se fará aquilo que diz, tudo o que disser lhe será feito. Por isso, vos digo que tudo o que pedirdes, orando, crede que o recebereis e tê-lo-eis”. No entanto, as idéias de Hagin sobre a fé liberada ou confissão positiva não eram originais. Essek William Kenyon (1867-1948) foi evangelista de origem metodista que defendia a idéia teológica de que “O que eu confesso, eu possuo”. Em verdade, Essek Kenyon criou um sincretismo entre o pentecostalismo e visões metafísicas e místicas advindas de denominações religiosas que freqüentou como a Ciência Cristã.
            No que se funda a Teologia da Prosperidade? Essa Teologia afirma que os que são verdadeiramente fiéis a Deus devem viver em prosperidade, ou seja, em excelente situação financeira, profissional e de saúde. No Brasil, é comum os adeptos dessa Teologia afirmarem que a prosperidade significa riqueza material. Então, o principal motivo para se tornar cristão é a busca pela riqueza material, a cura de doenças e a libertação dos demônios. A salvação da alma..., bom isso fica para depois. O que aparenta ter importância para os adeptos da Teologia da Libertação é o agora, é o viver neste mundo com riqueza financeira e boa saúde para poder usufruir dos benefícios do dinheiro.
            Sem pretender atacar nenhuma denominação religiosa, o que se pretende com este artigo é debater tais conceitos em comparação com a Teologia Bíblica tradicional. De fato, riqueza em si não é pecado. A Bíblia diz que José de Arimatéia, um dos seguidores de Jesus, era rico (Mt. 27.57-58). No entanto, a busca pela riqueza afasta os homens de Deus e, por isso, pode se converter em pecado (aqui no sentido original da palavra “hamartia” ou “hamartano” que significa “errar o alvo”, ou seja, desviar do objetivo de Deus). Sobre isso Jesus disse no Sermão da Montanha: “Não podeis servir a Deus e ao Dinheiro” (Mt. 6.24). E acrescentou que: “Por isso vos digo: não vos preocupeis com a vossa vida quanto ao que haveis de comer, nem com o vosso corpo quanto ao que haveis de vestir. [...] Buscai, em primeiro lugar, o Reino de Deus e a sua Justiça, e todas essas coisas vos serão acrescentadas” (Mt. 6.25, 33). Também disse Jesus que não deveríamos “ajuntar tesouros na terra, onde a traça e o caruncho os corroem e onde os ladrões arrombam e roubam, mas ajuntai para vós tesouros no céu” (Mt. 6.19). No Evangelho de Lucas, o Nazareno aconselha ao rico para que vendesse tudo o que possuía e distribuísse aos pobres, pois assim teria um “tesouro no céu” (Lc. 18.18 -23). A mensagem central do cristianismo é a regeneração do homem, ou seja, a sua salvação e reconciliação com Deus. No Evangelho de Marcos, Jesus pergunta: “Portanto, de que adianta uma pessoa ganhar o mundo inteiro e perder a sua alma?” (Mc. 8.36).
            O que seria a prosperidade, então, se não for a riqueza material? Parece que prosperidade é ter tudo aquilo que é necessário para uma vida digna. Nem mais, nem menos. Jesus enviou seus discípulos em uma comissão, de dois em dois, e aconselhou que não levassem nada. Em ocasião oportuna, perguntou a esses se algo havia lhes faltado, do que responderam que nada faltara. Portanto, estavam atendidos por Deus em suas necessidades (Lc. 22.35). É o mesmo entendimento de quando, no Sermão da Montanha, Jesus disse dos lírios do campo e da inutilidade da preocupação com os bens materiais (Mt. 6). Aqueles que ostentam riquezas materiais, “já receberam a sua recompensa” (Mt. 6.2). Mesmo as curas extraordinárias não são insígnias dos que verdadeiramente são cristãos. Jesus advertiu que no final dos tempos, muitos dirão a Ele: Senhor, não foi em teu nome que profetizamos, expulsamos demônios e fizemos muitos milagres?. E Jesus apenas responderá: “Nunca vos conheci” (Mt. 7.22 – 23).

Carlos Carvalho Cavalheiro – 04.01.2015.